Revolta dos Motoqueiros - por Leandro Malósi Dóro
Gustavo desamassa, com um martelo de borracha, o escapamento de uma CG 125, 1978, gerando estrondos que chocam como metal em seus ouvidos. Dá cada martelada com a convicção de que exerce a profissão correta: mecânico de motos.
Observa a rua em frente à oficina. O sol que se reflete nos paralelepípedos faz seus olhos verdes lacrimejarem. Com a mão e o braço, limpa o suor do rosto sardento, ainda com poucos pêlos, à maneira que viu outros mecânicos fazerem.
A seca persiste há quarenta dias em Passo Fundo, no norte do Rio Grande do Sul.
Seu chefe na oficina conversa, ao telefone, com o irmão, que é subversivo, dizem os vizinhos. Por ser motoqueiro e cabeludo, Gustavo também é denominado subversivo, pelos mais velhos. Porém, desconhece por que o irmão de seu chefe luta para acabar com a ditadura militar. Nunca viu nada diferente de generais sendo escolhidos pelo Congresso Nacional. Tinha três anos de idade quando houve o Golpe Militar de 1964. Agora, aos 17, pensa na profissão, na namorada e na moto recém adquirida.
- Chefe, terminei a CG. Posso ir?
- Tudo bem, Gustavo. Amanhã venha às oito e meia.
Lembrança desnecessária. É seu terceiro mês de trabalho nessa oficina. Seu primeiro emprego. Chega sempre antes de serem abertos os portões, mesmo agora, fevereiro. O salário de auxiliar de mecânico permite pagar as parcelas de uma Gilera 125 cilindradas, ano 1972. Seu pai aceitou que a comprasse, mesmo o filho sendo menor de idade.
Gustavo liga o chuveiro da oficina, mas não há água. A seca gera racionamento. Troca o macacão por jeans e camiseta limpas. Dá a partida em sua moto. O bramir do motor parece um riso que ecoa dentro do capacete. Irá para casa e depois vai se encontrar com Luciane, a namorada que conheceu há uma semana, em uma festa do Clube dos Motoqueiros.
Transita por entre edifícios de dois a quatro andares, alguns recém-pintados e outros velhos e de decoração empobrecida, entre ruas onde pessoas passeiam, conversam e cumprimentam umas às outras, ao final de tarde bucólico de cidade distante das praias.
Dá uma volta completa na praça em frente a Catedral e passa diante dos dois únicos cinemas. Na rua Morom, acena para Rodrigo, presidente do Clube dos Motoqueiros e amigo de infância, que está em frente a loja de eletrodomésticos onde trabalha como vendedor. Ambos sorriem com igual ânimo do último sábado, quando foram com as namoradas à grande boate da cidade, o Escadão.
Gustavo dobra a esquina, rumo à Avenida Brasil.
As veias das têmporas latejam. Vê uma batida policial à sua frente. Há uma viatura, um fusca, na avenida, com policiais analisando documentos. Perderá a moto, se souberem que ele é menor de idade. Desvia pela XV de Novembro. Seu motor ecoa pela cidade sonolenta naquele final de tarde sem nuvens.
Uma sirena.
Os policiais o perseguem. Gustavo dobra a esquina. A moto trepida pela irregularidade dos paralelepípedos da rua. A viatura surge no retrovisor. Freia a moto diante de um lento caminhão de melancias. Manobra à direita. Ruma para casa, a duas quadras dali.
O sol ofusca o motoqueiro, que sente a testa oleosa de suor. Vendo aquela luz cegante, ouve tiros. Seu braço direito e o peito formigam, esquentam e ardem.
Desequilibra-se. A moto rodopia até a calçada, jogando-o para o outro lado da rua. Cai quase em frente à casa dos pais. Sua cabeça quica como bola de basquete. O céu, antes azul, avermelha-se. Ouve a voz de soprano de sua mãe gritar: “filho”. Sente um abraço de mulher gorda e suada, embalando-o como se fosse um bebê.
Gustavo sabe que chegou em casa pela última vez.
Capítulo 2
Rodrigo, presidente do Clube dos Motoqueiros, fecha a cortina de ferro da loja de eletrodomésticos onde é vendedor. Faltam quinze minutos para as seis horas da tarde. Vira-se para olhar, mais uma vez, pessoas caminhando na praça em frente, como se aquele verde e o movimento o hipnotizassem.
Sente-se feliz por trabalhar vendo diante de si duas interioranas torres de Catedral surgirem sobre as árvores, pessoas nos bancos das praças e conversas no meio da rua nessa cidade repleta de casas. O desenvolvimento é tardio. Recém começam obras de prédios com doze a vinte andares.
Muitos moradores se conhecem. Perguntam das vidas de uns e outros e, alguns, fofocam sobre quem puderem falar. Uma vez por semestre, chegam os novos: universitários e professores. Alguns ficam, outros se mudam quando acaba o dinheiro, emprego ou curso. Fica a amizade com a cidade, que é chamada de terra de passagem, por alguns.
Rodrigo, por ora, sente-se feliz ali. Gosta do emprego, da namorada e da Gilera 250 cilindradas, que possui. Apenas detesta o preconceito que os mais velhos têm por motoqueiros – os subversivos, como dizem.
Tranca a fechadura da loja. Apesar de diminuir a temperatura ao final da tarde, seus cabelos castanhos grudam ao pescoço e os olhos, da mesma cor, recobrem-se de suor.
Gustavo passou de moto por ali há poucos minutos.
Mariane, na esquina, conversa com Gerson, dono da cafeteria Nobre. “Rico esnobe”, pensa Rodrigo. Desvia o olhar, fingindo não percebê-los. Ela vem em sua direção.
- Oi, é aqui que vendem bonequinhos lindos para namorar com minha boneca?
- Você já tem um em oferta. De brinde, vem uma máquina de fazer café.
- Prefiro um que venha uma moto, na caixinha. Você está à venda?
Beijam-se. Rodrigo penetra os dedos nos cabelos negros e longos de Mariane. Sente seus seios pequenos e passa rapidamente as mãos sobre as nádegas rijas. Roça os lábios no nariz arrebitado, tão diferente do seu, que é em forma de gancho.
- Vamos para minha casa – diz Rodrigo. - Tomo banho, troco de roupa, tomamos café e depois vamos para a reunião do Clube dos Motoqueiros.
Mariane sorri, satisfeita, assim como faz todas as vezes que ele toma decisões. Antes de pôr o capacete, pergunta se pode levá-la para veranear em Pinhal, onde estão suas amigas.
- Minhas férias começam somente daqui a duas semanas. Até lá, decidimos – desconversa Rodrigo.
- Vai ser ótimo, amor. Desde que começamos a namorar, nunca saímos para viajar. Sem falar que essa seca está enlouquecendo a todos, aqui na cidade.
Rodrigo acelera a moto sem dizer que poderia ter começado as férias. Não o fez, pois seu salário é consumido pelas prestações da Gilera e a ajuda no sustento da casa. Mora com a mãe. Não conheceu o pai, que morreu de cirrose. Aguarda dinheiro emprestado de um amigo para veranear. Irá sentir-se humilhado se não viajarem. Além disso, sabe que Mariane deixou de ir à praia, em janeiro, para ficar com ele.
O pai dela é major do exército. Quando soube do namoro, foi ao trabalho de Rodrigo. “Compreenda, rapaz. Se tivesse uma filha, também iría querer que ela amasse alguém melhor do que um vendedor de bugigangas e motoqueiro. Em breve a levarei a Porto Alegre a fim de se preparar para o vestibular. Provavelmente, nunca mais irão se ver. Acabe antes com isso”.
O militar despediu-se e se dirigiu a cafeteria Nobre, onde, após o almoço, conversa com políticos, empresários e técnicos de futebol. Sorri e recebe tapinhas nas costas. Se Mariane visita Rodrigo nesse horário, antes passa na cafeteria onde também conversa com Gerson, que o major chama de “bom partido” e “futuro genro”.
Quando foi informado desses comentários do major, por Mariane, Rodrigo sentiu-se como se estivesse coberto de lama.
O casal se conheceu há menos de um ano. Ela recém havia se formado no Segundo Grau. Apaixonou-se por aquele rapaz que comandava dezenas de motoqueiros. Rodrigo relutou. Não queria namorar. Agora teme perdê-la ao final do verão.
Capítulo 3
Dona Ada, mãe de Rodrigo, prepara a mesa de café, em uma casa de madeira azul, cercada por arbustos e flores: crisântemos, copos-de-leite, línguas-de-dragão e rosas. No rádio: “Dezoito horas, ouça a Oração da Ave-Maria”. Dalva de Oliveira canta entremeada por uma voz negra e grave.
Rodrigo e Mariane escutam o último verso dessa oração, no pátio, ao abrirem o portão vermelho que range ao se mover.
- Fiz café. Oi, Mariane. Lavem as mãos e sentem-se - diz, sorridente, mostrando uma mesa com uma toalha xadrez azulada, aninhando cuca, pão, café, nata, doce de uva e xícaras e pratos ornados com flores vermelhas e laranjas.
Pergunta a Rodrigo quando dará dinheiro para os gastos do mês. Ele desconversa. Envergonha-se que sua namorada saiba disso. Mariane diz que contribuir é bonito.
- Lá em casa meu pai dá tudo, mas quando eu terminar a faculdade e for trabalhar como advogada, quero ajudá-lo também.
Ele baixa os olhos. Não tem dinheiro para cursar a única universidade do município, nem para acompanhá-la a Porto Alegre, a fim de se preparar para o vestibular da universidade federal. Sua mãe, entristecida, observa-o. Mariane elogia a cuca de banana. Ouvem o locutor da rádio interromper o bloco musical:
- Atenção! Por volta das dezessete horas e trinta minutos, na Rua Lava Pés, três policiais militares balearam o motoqueiro Gustavo Schmidt, dezessete anos. O menor trabalhava na oficina mecânica Bolinha, no bairro Boqueirão. O motivo foi, segundo testemunhas, o fato de o motoqueiro ter fugido da barreira policial na Avenida Brasil em frente ao pré-vestibular Michigam. Os moradores das proximidades atiraram pedras e pedaços de madeira nos policiais, que fugiram do local do crime. O corpo será encaminhado ao Instituto Médico Legal.
Diante da notícia, os três se calam. Rodrigo sente um abismo às costas. Gustavo era seu amigo de infância, três anos mais novo. Conheceu-o quando o Sardento, como era chamado, quis entrar no grupo de ciclistas liderado por Rodrigo, o Comandante.
Após ser recusado três vezes, o Sardento ressurgiu para o grupo do Comandante. Pedalou sobre uma roda e, depois, com auxílio de uma rampa de madeira improvisada sobre tijolos, saltou e caiu. Esfolou os joelhos e os cotovelos; porém levantou-se sem reclamar e, com o rosto franzido, repetiu aquele malabarismo, dessa vez sem perder o equilíbrio. Comandante, aos 11 onze anos, riu da seriedade do menino de nove anos. Aceitou-o no grupo. Sardento, a partir daí, participava de todas as brincadeiras e passeios do grupo.
Em uma manhã de Páscoa, somente os dois compareceram à rua. Comandante levou Sardento para conhecer a pedreira, próxima aos trilhos, onde se via toda Passo Fundo. Ficava a meia hora de onde moravam. Passaram por uma oficina mecânica em um galpão. Sardento confessou: queria ser mecânico, igual ao pai, mas apenas de motos.
Concretizou o sonho havia três meses, para felicidade de Comandante e Sardento. Agora a vida se encerra para Sardento.
O que Comandante pode fazer?
Capítulo 4
A luz vermelha do estúdio de rádio acende. Rodrigo agoniza com o calor do lugar. Esbraveja:
- Convocamos todos os motoqueiros de Passo Fundo para se encontrar na praça diante da Catedral Nossa Senhora Aparecida para homenagearmos nosso amigo e companheiro, Gustavo Schmidt, morto esta tarde por três policiais militares.
O locutor da rádio Uirapuru agradece as palavras do presidente do clube dos motoqueiros e anuncia a Voz do Brasil.
Antes de ir à praça, Rodrigo deixa Mariane na casa dos pais para pegar roupas. Depois estaciona a moto em frente ao Instituto Médico Legal. O odor de clorofórmio do IML entra, como se fosse ácido, por suas narinas.
Os familiares, cercados por paredes brancas, aguardam a liberação do corpo. Todos sabem da homenagem dos motoqueiros e a agradecem em meio a soluços. Um advogado de nariz de batata, terno preto – exagerado para aquele calor – e com pouco menos de 30 anos, diz que pediu esclarecimentos à Brigada Militar. Espera resposta até a tarde do dia seguinte. Porém, é pessimista:
- O comando da Brigada nunca vai entregar seus soldados para julgamento. Enquanto existir ditadura, os militares mandam aqui.
Afirma ser arriscado também o protesto convocado por Rodrigo. A Brigada pode dispersar a manifestação com violência. Lembra que as greves por melhores salários nas fábricas no interior de São Paulo são reprimidas a golpes de cassetete.
- Se o protesto for pacífico, não terão coragem de nos agredir – retruca o motoqueiro.
O advogado duvida, assim como o pai de Gustavo. Rodrigo reitera manter o protesto. Pede o nome dos três assassinos ao advogado, que os anota no verso de um formulário: cabo Rogério Neves e soldados Antônio da Luz e Igor de Almeida. Mudaram-se há poucos meses para Passo Fundo, informa o advogado.
Não os conhece. Mesmo assim, o motoqueiro sente repugnância por aqueles nomes.
Mariane adentra o IML e cumprimenta a todos. Leva uma mochila.
O casal de despede. Vai à praça, em meio à penumbra azulada da recém-iniciada noite.
No caminho, Rodrigo sente ódio e medo. Quer os policiais presos. Porém, os militares podem ser violentos. Desde 1968, o governo proibiu o povo de protestar, fazer greve ou até mesmo se reunir para debater.
Em Passo Fundo os conflitos sempre foram esporádicos. Houve a chamada Batalha de Pulador, entre Republicanos e Federalistas, em 1894, na qual morreram milhares de gaúchos. A maioria foi degolada e seus restos jogados no campo. Depois, aconteceu a revolução de 1923, em que as mortes foram a tiro de espingarda e revólver.
Em 1954, a população se comoveu quando o presidente Getúlio Vargas se suicidou. Porém, Rodrigo nunca soube de greves e protestos por qualquer motivo em Passo Fundo. Essas coisas acontecem somente nas cidades maiores.
Capítulo 5
Na praça, dezenas de motoqueiros aceleram seus motores, sob as luzes brancas dos postes de iluminação pública. Rodrigo olha a folha de um jornal ao chão: segunda-feira – 05/02/1979.
Sobe no capô de uma Brasília. Centenas de pessoas observam o grupo à distância. Entre eles, o dono da cafeteria com seu olhar arrogante. Os faróis das motos iluminam Rodrigo.
Mariane lhe alcança um megafone. Rodrigo berra:
- Motoqueiros, Gustavo, nosso companheiro, foi morto por três policiais da Brigada. Esse crime não pode ficar impune. Temos que protestar nos quartéis, jornais, rádios e TV. Senão os três responsáveis não serão condenados.
Aplausos. Suas sobrancelhas negras arqueiam-se, transparecendo fúria. Percebe Gerson, e seu sorriso maroto. Tem vontade de cuspir. Dois policiais militares buscam dispersar o grupo, que protesta aos gritos. Rodrigo pede aos motoqueiros que se mantenham unidos.
- Vamos sair em passeata até o quartel da Brigada – informa ao megafone. Nota o olhar assustado de Mariane. Se o major souber que participaram do protesto, ela pode ser levada para Porto Alegre antes do que esperava e ser proibida de ver Rodrigo.
Capítulo 6
O guarda boceja. Está naquela guarita desde as duas da tarde. Agora, oito da noite, espera que lhe rendam a guarda. Mal se apercebe da onda sonora que se aproxima do prédio. São os motoqueiros, gritando: “Justiça!”.
Hesita entre erguer o rifle para aquele cortejo de luzes e telefonar para o comando. Desnecessário. Sargentos e capitães surgem ao portão.
Rodrigo pede, pelo megafone, para o comando da Brigada prender os três policiais responsáveis pela morte de Gustavo. Um jipe estaciona na avenida. Ergue-se, sobre ele, um coronel de bigode e sobrancelhas grisalhas.
Vaias. Rodrigo baixa o megafone, aproxima-se e conversa com os militares. Repete que deseja a prisão dos três policiais.
- Não atendo a pedidos de desordeiros. Os três policiais estavam exercendo seu dever. Defendo-os e não cabeludos subversivos iguais a vocês – berra o comandante. Toma o megafone de Rodrigo e ordena que todos retornem às suas casas, sob pena de serem presos se desobedecerem.
Alguns motoqueiros jogam pedras sobre o jipe, que ruma para dentro das grades do quartel. Uma viatura, estacionada perto dali, é derrubada pelos manifestantes. Rodrigo se espanta com a reação dos motoqueiros. Tenta impedi-los, aos gritos. Da guarita, um policial dá tiros para o alto. Duas centenas de motoqueiros e pedestres dispersam-se, batendo-se confusos.
- Não, bicho. Não atira – grita um dos motoqueiros para o milico na guarita.
Mariane aperta o braço de Rodrigo, como se o acordasse. Ele sobe na moto e acelera por uma rua lateral, enquanto o restante se dispersa, desordenado.
Capítulo 7
A sombra magricela de Rafael surge na janela da velha casa de madeira. Vê Rodrigo e Mariane ofegantes. Rafael tem cabelos encaracolados em forma de ovo e um corpo fino. Espanta-se ao ver os rostos franzidos do casal.
- O que houve? – questiona – Só fico com essa cara quando tenho dor de barriga.
Rodrigo sorri sem mostrar os dentes, igual faz com todas as brincadeiras de Rafael. O amigo deixa o casal descansar no sofá rasgado da sala. Serve bolachas e suco de laranja, em uma bandeja, com seus braços longos e finos, enquanto eles lhe contam o que houve. Dormirão ali para despistar a Brigada. Lavam-se em uma bacia. O fornecimento de água ainda não voltou.
Mariane permanece calada, com um olhar que varia do desespero à preocupação. Rodrigo teme que ela o deixe, se continuar protestando, mas é líder dos motoqueiros e amigo de Gustavo. No quarto, conversam. Ela revela que deseja levá-lo para Porto Alegre com ajuda dos pais. Porém, se o major souber que Rodrigo está liderando motoqueiros contra a Brigada, pode ser que os separe antes.
Ambos paralisam o olhar um no outro. Há lágrimas. Rodrigo conclui:
- Quero ir com você, Mariane, mas preciso liderar os motoqueiros para que sejam presos os assassinos de Gustavo. Quero que você lute ao meu lado. Só você me dá forças.
Abraçam-se, fazendo com que sequem as lágrimas um no corpo do outro.
Capítulo 8
À meia-noite vão ao velório do amigo.
O caixão está no meio da sala da casa dos pais de Gustavo. Poucos dos que participaram do tumulto no quartel estão ali. Devem temer ser presos, pensa Rodrigo. Mesmo assim, centenas enchem a sala e o pátio naquela noite quente e enluarada. Luciane está ali, a loira e sardenta namorada de Gustavo. Parece ter 17 anos. Rodrigo crê que ela ficará pouco tempo de luto pelo namorado que conheceu havia uma semana.
A mãe de Rodrigo, no pátio, olha o filho, contrariada por ele se arriscar, mas já desistiu de tentar mudá-lo. Gerson conversa com amigos do lado de fora da casa. Chama Mariane.
Quando Rodrigo se aproxima, Gerson vocifera para Mariane:
- É como lhe disse: seu pai vai odiar quem fizer baderna na cidade.
Rodrigo o mira como quem quer brigar. Porém, apenas pega a mão da namorada e diz que encontrou algumas de suas amigas. Uma delas concorda em confirmar aos pais de Mariane, que dormiram em uma chácara, aquela noite.
O pai de Gustavo pede para conversar em particular com Rodrigo. Agradece pela manifestação em apoio a Gustavo, mas reprova violência. Rodrigo concorda e diz que irá procurar evitar tumultos, como o do quartel.
Promete, ao pai de seu amigo, velar por Gustavo toda a noite, até o sepultamento. O pai discorda.
- Rodrigo, você e Mariane devem dormir cedo, para comandar o velório de meu filho. Todos os jovens que passaram pelo funeral dizem que irão à praça e ao cortejo fúnebre. Todos que falaram comigo dizem sentir ódio da polícia. Você precisa comandá-los. Evite que haja novas mortes.
- Não me sinto capaz disso - afirma Rodrigo.
- Se não for você, não sei a quem recorrer.
- Farei o possível. Tentarei comandar os motoqueiros - responde o jovem, apertando a mão do pai de Gustavo, que arqueia os lábios, controlando o choro.
Rodrigo procura Mariane.
O casal de namorados se despede da família e volta para a casa de Rafael.
Capítulo 9
Uma fogueira reluz no pátio da casa de Rafael. Muitos souberam que o presidente do Clube dos Motoqueiros e sua namorada irão dormir ali. Aguardam ambos. Quando chegam, Rafael os cumprimenta e confirma o que o pai de Gustavo disse:
- Os que chegam aqui querem ir à praça amanhã, e alguns dizem que conversaram com amigos que afirmaram o mesmo.
Próximo à fogueira, um grupo faz cartazes com tinta guache sobre papel pardo ou cartolina. Escrevem: “Justiça!”, “Não matem inocentes!”, “Sejam justos com Gustavo”. Planejam levar as mensagens durante o cortejo. Rodrigo concorda e pede que, após o sepultamento, os cartazes sejam postos em frente a Catedral. Tiaraju, um gordo suarento, interrompe o debate. Propõe, aos berros, queimar o quartel.
É aplaudido.
Rodrigo o interrompe.
- Não devemos ser violentos, senão pode haver mortes. Queremos justiça, não tragédia.
Tiaraju franze os lábios. Exala vinho. Aponta o indicador para Rodrigo.
- Você deveria armar os motoqueiros. Não apenas fazer passeatas. Chega de os policiais nos perseguirem, chamando-nos de “cabeludos e subversivos”.
Uma voz estridente faz coro com ele. Diz ter um revólver. Alguns o elogiam. Rodrigo, de olhos arregalados, repete que a violência pode gerar mortes. Um franzino, às suas costas, repete: “Vamos linchar os três policiais”. Um narigudo, de dentes esverdeados, diz que os policiais dormem no Departamento de Ordem Política e Social, o DOPS, onde torturam os presos políticos. Foram levados para serem protegidos pela polícia.
Tiaraju grita:
- Vamos lá, linchá-los.
Um grupo se levanta e concorda aos gritos. Rodrigo orienta-os para não fazerem isso. Porém, as motos são ligadas. Rafael ergue seus braços de pinça. Tenta impedi-los, sem sucesso. Rodrigo e Rafael os seguem, cada um com sua moto. Mariane não consegue carona.
Dezenas de pessoas ocupam as ruas em frente ao prédio de esquina onde está o DOPS.
- Assassinos, assassinos! – gritam. As luzes da delegacia estão desligadas. Um tiro retumba seco igual a um martelo sobre madeira.
Veio do prédio ou dos motoqueiros? Pedras estilhaçam os vidros. Novos disparos. Motos aceleram contra a porta. Cinco estrondos e a arrombam. As máquinas invadem o DOPS, iluminando o lugar com seus faróis.
O odor de mofo impregna o prédio, logo substituído pelo da fumaça dos veículos. Rodrigo vê motos descendo as escadarias rumo às celas e aos quartos. Derrubam arquivos e mesas. O único guarda no local conversa com um dos motoqueiros. Parecem amigos. “Por isso ninguém foi atingido”, imagina Rodrigo.
Sirenes. O amigo do policial alerta: estão chegando reforços. Uma voz grita: que não há ninguém nos quartos e nas celas. Uma moto arromba a porta do andar inferior. Derrubam o portão do pátio e fogem antes de chegarem as viaturas.
- Estou tão nervoso, que meus dentes parecem pandeiro de escola de samba – desabafa Rafael para Rodrigo, ao darem a partida em suas máquinas.
Capítulo 10
Retornam ao pátio da casa de Rafael. Alguns urram: “Vitória!”. Outros exalam medo. Mariane sugere a Rodrigo escrever uma carta para a Brigada, dizendo não aceitar a violência e que sua intenção é um protesto pacífico para punir os responsáveis pela morte de Gustavo. Rafael concorda. Redigem-na em uma máquina de escrever portátil, que jazia atrás do sofá.
O fato de Mariane ser filha de militar a torna a mais habilitada a entregar a carta. Se for apanhada, logo será solta, insistem ela e Rafael. Rodrigo reluta, mas concorda. Os motoqueiros que causaram o tumulto partiram.
Restam alguns casais que ouvem um músico, o Boca, próximo à fogueira.
- Nós, com o coração na boca, e, eles, com o ouvido no Boca - indigna-se Rafael.
Todos riem. Rodrigo desconhece como o amigo mantém o bom-humor.
Mariane ruma na garupa de Rodrigo. Estacionam a duas quadras do DOPS. A pé, ela deixa a carta sob a porta destruída. O coração de seu namorado palpita, temendo que seja presa, mas ela retorna caminhando. Dobra a esquina na primeira quadra.
O motoqueiro vai ao seu encontro. Partem para a casa de Rafael. Precisam descansar.
No quarto, acariciam-se e se beijam por longos minutos. Movem-se, ritmados, um sobre o outro, olhando-se nos olhos, enquanto seus suores se misturam em seus ventres, rostos e coxas. Rodrigo busca obter forças através das carícias dela.
Abraçam-se após o gozo e, assim, dormem. Ele sonha. Vê-se com Mariane e amigos. Gustavo é o Sardento e Rodrigo o Comandante. Todos são crianças. Pedalam por entre as ruas repletas de casas ajardinadas e com telhados em V invertido.
A bicicleta de Sardento bate em uma pedra da calçada e cai. Comandante e Mariane vão socorrê-lo e pedem aos demais ciclistas que tirem a pedra do caminho. Todavia, em vez de removê-la, destroçam-na com um martelo, gerando estilhaços que ferem Comandante, Mariane e Sardento, que, nos braços do amigo, jaz morto.
Acorda de um salto. Está suado. Levanta-se para tomar um banho. Mariane dorme.
Não há água. Retira o suor e refresca-se com um balde d´água que está sob a pia.
Capítulo 11
Os raios de sol da manhã fazem Rodrigo lacrimejar, mas ele permanece em frente à Catedral, mirando o amanhecer. O céu é excessivamente azul. A seca persistirá, dizem as rádios.
Motoqueiros se reúnem ao seu entorno para participar de carreata de sepultamento. Recebem e distribuem cartazes para empunhar no cortejo fúnebre. Mariane ainda dormia, quando Rodrigo saiu da casa de Rafael.
O líder dos motoqueiros vai à revistaria, ao lado da catedral. Não há nenhuma notícia nos jornais da capital. Já os dois diários de Passo Fundo informam e comentam a morte e o protesto da noite anterior em quase todas as páginas. Intitulam o que acontece como “Revolta dos Motoqueiros”.
Caminha até a loja onde trabalha, do outro lado da praça, a uma quadra. A cortina metálica recém foi aberta. Os funcionários perguntam, alvoroçados, sobre a morte de Gustavo.
Telefona para a casa do proprietário da loja. O filho do dono atende. É motoqueiro, também, e diz que irá se unir ao grupo: “Todos temos orgulho de você, Rodrigo”. Conversam alguns minutos. Autoriza o funcionário a entrar em férias naquele momento. O presidente do clube agradece e volta à praça.
Em frente à Catedral, uma voz potente o chama de filho. Vê sobrancelhas, um bigode muito grosso e olhar raivoso. É o major do exército e pai de Mariane à paisana. Aconselha Rodrigo a acabar com aquela revolta.
- Aquilo que vocês fizeram ontem pode levá-los à prisão ou algo pior. Além disso, se envolver minha filha nessa revolta, eu mesmo pedirei sua cabeça, filho.
Um jornalista interrompe o diálogo. Apresenta-se como do centro do país, porém Rodrigo já viu seu rosto pelas ruas da cidade. Pede para entrevistar o motoqueiro. Provoca o major:
- O exército se unirá à Brigada, usando violência para acabar com a revolta? A Tropa de Choque virá de Porto Alegre? O senhor os apoiará? – questiona e, antes de o militar responder, continua: - Em dezembro, o general Ernesto Geisel revogou o Ato Institucional Nº 5 - terminando assim com a perseguição política - e eliminou a censura prévia aos meios de comunicação. O governo Figueiredo, que assume a presidência em março, pode ser o último governo militar. Mesmo assim, acredita na violência para controlar jovens, major?
O major resmunga e vai embora. Antes grita:
- Não respondo perguntas de subversivos.
Agora é Rodrigo quem observa curioso o jornalista.
O repórter está com camisa e calça amarrotadas, barba por fazer e cheira a cigarro. Toma um gole de uma garrafinha de uísque que tira do bolso. Manifesta-se com voz rouca de boêmio:
- Agradeça por eu ter mandado embora o major e responda às minhas perguntas, rapaz.
Questiona se a revolta é uma “luta pela democracia”. Rodrigo responde desejar apenas o respeito dos policiais e da comunidade e que os motoqueiros pouco entendem de política. O sorriso do jornalista revela dentes amarelados e dezenas de sulcos em seu rosto.
- Vocês sabem de política mais do que pensam.
Despedem-se.
Rodrigo alivia-se pela partida daquele odor de fumaça.
“Alvorada lá no morro/que beleza/ninguém chora/não há tristeza/ninguém sente dissabor”, canta Clara Nunes no toca-disco de algum apartamento da rua Morom. Rodrigo tenta escutar essa canção entre o troar de escapamentos. Rafael indigna-se:
- Os motores dessas motos fazem feliz qualquer otorrinolaringologista. Nome comprido, esse, não?
A Catedral está fechada. O bispo anunciou às rádios sua recusa em abri-la, enquanto houver revolta. Mariane chega à praça. Foi à casa dos pais para trocar de roupa. Rodrigo pede para que ponha o capacete, para o major não reconhecê-la.
- Vai começar o cortejo - esbraveja Rafael Aumenta o ronco das motos que seguem pela rua que separa a catedral da avenida. Rodrigo segue, sozinho. Mariane vai na garupa de Rafael, para despistar o major.
Na avenida, o líder dos motoqueiros vê o carro fúnebre e sente em seu peito um negror semelhante ao veludo preto das cortinas que recobrem a Caravan onde está o corpo do amigo.
Dezenas de veículos acompanham o cortejo que ruma ao cemitério da Vera Cruz.
Centenas de motos se enfileiram. Ouvem-se apenas os sons dos motores e das rodas sobre a estrada de paralelepípedos. Antes da morte de Gustavo, motoqueiros e motoristas se xingavam pelas ruas. Agora há harmonia.
Amigos informam Rodrigo: a Brigada e o Exército formaram barreiras para impedir motoqueiros de entrar ou sair de Passo Fundo. Os que vieram trouxeram motos escondidas em cargas de soja. Suas têmporas latejam. A revolta é maior do que imaginava. A sua volta, pedestres os aplaudem. Antes os chamavam de cabeludos e subversivos. Agora são heróis.
Capítulo 12
O caixão desce sob olhares lacrimejantes e silenciosos. Mariane chora no peito do namorado, que observa os jazigos de granito repletos de imagens de Nossa Senhora, anjos e Jesus Cristo. Centenas de pessoas abarrotam o cemitério, inclusive sobre os túmulos.
O ranger do granito sobre a sepultura parece raspar no peito de Mariane.
Rodrigo nota Gerson observando-os à distância. Procura não notá-lo, mas após o sepultamento, ele vem dar-lhes pêsames pelo amigo. Pede para conversar em particular com Mariane, que aceita, para desespero de Rodrigo. Ela retorna do diálogo com os olhos avermelhados e úmidos. Diz que Gerson teme que amigos dos militares acusados da morte de Gustavo queiram feri-la ou a Rodrigo.
- Estou preocupada. Muitas pessoas dizem que você será perseguido – afirma a moça.
Rodrigo ignora essa última frase. Preocupa-se com Gerson. Pensa: “Até no velório ele quer se aproximar dela”. Nota homens de óculos escuros com rostos raivosos. Pelo corte de cabelo, parecem policiais da Brigada Militar. Ignora-os e se retira dali.
Rodrigo pára na entrada do cemitério para ouvir um coro entoar: “Por onde a terra começar/Vento Negro, gente, eu sou/Por onde a terra terminar/Vento Negro eu sou/Quem me ouve vai lembrar/Quero lutas/Guerra, não”. Quem passa tenta acompanhar, mas se perdem nas estrofes da canção dos Almôndegas.
Aplausos ao final da canção, entremeados pelo comentário de um gordo de bombachas: “Boa mesmo é a música do Teixeirinha”. Vinte metros adiante um calvo bigodudo saca uma gaita-ponto do porta-malas de seu DKV e canta baixinho, logo acompanhado pelos demais: “Quem quiser saber quem sou/olha para o céu azul/e grita junto comigo/Viva o Rio Grande do Sul/O lenço identifica/qual a minha procedência/Sou da Província de São Pedro/No meio da querência”.
No refrão, cantarolam: “Oh meu Rio Grande/Rincão gaúcho/viver por ti/me dou ao luxo/querência amada...”. Interrompem ao ouvir o ralhar de uma idosa de luto:
- Parem com isso, seus grossos. Respeitem a família do rapaz.
Rodrigo reúne os motoqueiros na saída do cemitério para uma passeata. Empunham cartazes com frases pedindo a prisão dos assassinos de Gustavo. Enquanto os motociclistas chegam, são aplaudidos pelos que assistiram ao sepultamento. Em um desses momentos, surge o pai de Mariane, com olhar mais raivoso do que antes.
- Onde está minha filha?
- Não sei, major. Disse-me que ia passar a noite em uma chácara com uma amiga.
- Mentira! Meus homens me informaram que ela está nesse grupo. Antes lhe chamei de filho, mas você é um arruaceiro. Você nunca mais a verá.
Esta última frase atinge o motoqueiro como um soco na boca.
- Se minha filha não for para casa hoje à noite, o exército vai acabar em um instante com essa baderna que você armou. Subversivos!
O major distancia-se.
- Um último aviso: a Tropa de Choque do Esquadrão Pedro e Paulo, de Porto Alegre, assumirá o comando da Brigada Militar. Se fosse você, voltava para o rabo da saia da mãe.
Quando parte, em um jipe, Rodrigo sente uma mão às suas costas. É Mariane, chorando. Abraça-o e repete ao seu ouvido:
- Eu só quero você. Eu só quero você.
O amigo Rafael cumprimenta-os, sem notar os soluços da namorada de Rodrigo. Conversava com Luciane, a ex-namorada de Gustavo.
- A Luciane é mais bonita que saldo bancário positivo – reflete o magrelo motoqueiro. – Fui consolá-la. Ela sofre não apenas com a perda de Gustavo, mas também porque o pai dela é militar e o irmão, o Zeca, um motoqueiro. O pai dela e o irmão brigam o dia inteiro. Aí ela chora muito, quando está em casa.
Interrompe a narrativa ao notar que Mariane soluça ao ombro do namorado. Despede-se do casal e vai procurar o irmão de Luciane para saber mais sobre a moça.
Rodrigo acena para Rafael e acaricia os cabelos da namorada, para que se tranqüilize. Pede para ela voltar para a casa dos pais. Mariane insiste em acompanhá-lo até a noite.
Ele concorda.
Capítulo 13
Mais de cem motociclistas seguem do cemitério rumo à praça em frente a Catedral. Dezenas de pedestres participam do cortejo lento, em pleno meio-dia. Alguns empunham cartazes pedindo a prisão dos executores de Gustavo. Ao pararem na praça, Rodrigo nota centenas de policias militares e soldados do exército nas ruas laterais.
Surgem viaturas, um grupamento a cavalo e homens a pé e com cassetetes da tropa de Choque, da Brigada, que interrompem as ruas que dão acesso à praça. Rodrigo ergue os braços. Pede calma. Um tenente, por um megafone, ordena aos “subversivos” que se dispersem. Pedestres e motoqueiros gritam contra a Brigada, enquanto pegam pedras do chão ou arrancam galhos de árvore da praça.
Alguns motociclistas tentam fugir pelas ruas laterais, mas existem viaturas interrompendo as saídas. Os comerciantes fecham as portas de suas lojas. Os policiais a pé e os cavalarianos se aproximam. Uma voz, em meio à multidão, grita:
- Deixem-nos em paz.
Os motoqueiros, como se acordassem de um transe, esbravejam e aceleram contra os militares, que erguem seus cassetetes. Os cavalarianos dão bordoadas e os soldados empurram os manifestantes. Um policial montado chuta as costas do gordo Tiaraju, que segura a perna do cavaleiro e o derruba, dando cotoveladas em seu estômago. Os pedestres atiram pedras contra os policiais, que recuam. A lenta debandada de policiais estimula os manifestantes a continuarem a atirar pedras e pedaços de madeira na tropa que, sem possuir escudos, é atingida. Rodrigo estimula os motoqueiros e pedestres a continuarem a gritar e agredir os policiais. O ódio faz seu corpo tremer. Reage tirando pedaços de pedra da calçada e jogando nos policias, que se refugiam no quartel da Brigada Militar, localizado há três quadras da praça da Catedral.
O líder dos motoqueiros grita:
- Vitória! - acompanhado dos demais manifestantes. Recebe um golpe de cassetete no pescoço que o atordoa. Só então percebe que um grupo de policiais os seguia em silêncio. Os manifestantes estão encurralados entre o grupo de policiais e o quartel. Mariane, empurrada ao chão, ameaça os policiais com seu capacete. Um guarda e um motoqueiro caem sobre ela, socando-se.
Rodrigo empurra-os e a pega pelo braço. Ela grita e dá pontapés nos policiais, enquanto seu namorado a segura pela mão. Ele tenta sair da batalha, dando golpes com seu capacete, utilizado como porrete.
A sua frente, uma das viaturas está prestes a atropelá-los. Larga a mão de Mariane e fica em pé sobre o capô do automóvel. O motorista freia, mas o sargento, ao seu lado, ordena que siga e desfere golpes de cassetete nas pernas de Rodrigo.
Um estrondo o faz perder o equilíbrio. Chamas erguem-se aos céus. Uma viatura foi derrubada e incendiada pelos motoqueiros.
Ouvem-se tiros.
- Assassinos – grita uma voz feminina.
Rodrigo pára, como se não sentisse as dores das bordoadas. Médicos e auxiliares de enfermagem saem de ambulância, próximo, e correm entre o público.
- Desgraçados – esbraveja uma voz masculina.
Alguém perdeu a vida. À volta de Rodrigo, todos param de lutar. As veias de seu pescoço pulsam a olho nu. Todos perderam o controle. Ele não poderia ter-se descontrolado também. Mariane chora. Pega-a no colo e a leva para a calçada. Aparenta estar bem, fisicamente, embora com o corpo brilhoso de suor.
Rafael, acompanhado do irmão de Luciane, informa ao amigo: alguém levou um tiro no rosto e morreu e Fábio, operário da fábrica Metais Finos, foi levado em estado grave para o hospital. Os enfermeiros prometeram mais ambulâncias. Multiplicam-se os gritos de “assassinos”. Os militares, sob ordem de um tenente, voltam para o quartel. Não levam prisioneiros.
- Como perdemos o controle, Rafael? – repete Rodrigo, olhando o nada.
Capítulo 14
O hospital cheira a cloro e sal do sangue dos feridos. O presidente do clube observa amigos em macas ou em pé recebendo curativos. Mariane, colada ao seu peito, chora sem lágrimas. Jornalistas se aproximam, entre eles o malcheiroso. Seu odor de álcool e tabaco se sobrepõe ao do sal e do cloro.
Perguntam: identificaram a vítima fatal? O que pode dizer aos pais do rapaz ferido? Pretendem fazer mais protestos? E sobre a viatura incendiada? O que tem a dizer sobre a troca do comando da Brigada Militar na região para acalmar a revolta?
Rodrigo sente sua mente flutuar ao ouvir que o comando será trocado devido à revolta. Os jornalistas perguntam ainda o que dirá a comissão de deputados do MDB que visitará o município no dia seguinte para investigar o caso. Também desconhecia essa informação.
É taxativo:
- É preciso prender os três policiais responsáveis pela morte de Gustavo – sentencia –, descobrir quem matou o rapaz ainda não identificado e, ainda, quem feriu gravemente o operário Fábio.
As mães de Rodrigo e de Mariane adentram a enfermaria. O casal desconhecia que ambas se relacionavam. O presidente do clube pede licença aos jornalistas. A um canto da sala, o casal ouve o pedido das mães para que voltem para casa.
Ele convence Mariane a ir para casa com a mãe “pelo menos hoje”. Dona Ada, mãe de Rodrigo, pede para que também volte. Concorda em tomar um café em casa. À saída do hospital, uma mulher idosa segura seu braço. É a avó do operário ferido.
- Parem com isso. Parem.
Rodrigo se envergonha e a abraça.
Os pais de Gustavo se aproximam. Também querem o fim da revolta. Rodrigo diz ter perdido o controle dos protestos. Crê que, mesmo sem ele, os motoqueiros irão à praça. Deixa os pais do operário e de Gustavo conversando. Rodrigo sente-se fatigado.
Capítulo 15
Em casa, banha-se de chuveiro pela primeira vez, desde o início da revolta, sentindo a gordura do suor se desfazer. Toma café. Estava faminto. A mãe pede para não ligar o rádio, mas o faz. Um locutor diz que os cidadãos estão chocados com os fatos dos últimos dias.
- A sociedade passofundense apóia os motoqueiros, espera que seja descoberta a identidade do motociclista assassinado, aguarda o novo comando da Brigada Militar e a comissão de deputados estaduais que virá à cidade – afirma o locutor, citando carta enviada à rádio por um grupo intitulado “Cidadãos de Passo Fundo”.
As pálpebras de Rodrigo pesam. Cochila na poltrona da sala. Acorda sentido cheiro de alho e cigarro. É o jornalista à sua frente.
A princípio, imagina ser sonho, mas ouve:
- Acorde, filho. Esse moço quer conversar com você.
É noite. Dona Ada desculpa-se porque o filho dormiu em uma poltrona da sala.
- Não quis interromper o sono dele. Está muito cansado.
O jornalista afirma que será rápido. Pede uma conversa particular com Rodrigo. Dona Ada serve café e bolo de milho e, após, retira-se. É a oportunidade para o jornalista palestrar:
- A Brigada tentou acabar com a revolta hoje à tarde. Porém, os motoqueiros ainda parecem fortes. Por isso, a Tropa de Choque e o exército foram autorizados a intervir. O comandante da Brigada não hesita em mandar atirar ou matar. Peço para vocês terminarem esse confronto – ressalta o jornalista, enfatizando temer mais mortes e explica:
- Há dois tipos de militares que disputam o poder no país: os linha-duras, que preferem a tortura e utilizam armas para controlar a sociedade, e os sorbonistas, que preparam o país para a volta à democracia. Os atuais comandantes da Brigada e do exército, em Passo Fundo, são linha-dura. Perigosos. Porém, o novo comandante da Brigada, que assume amanhã à tarde, é sorbonista. Você precisa controlar os motoqueiros até que ele tome posse e, daí, pedir, de novo, a prisão dos assassinos de Gustavo.
- Não sei se posso controlar os motoqueiros – responde Rodrigo.
Silêncio. Com um cigarro apagado nos lábios, o jornalista retruca:
- Garoto, nesta cidade todos se conhecem. O segredo para acabar o conflito é esse.
No portão da casa, próximo aos arbustos e às flores, o jornalista acende o cigarro e recomenda a Rodrigo não sair à noite. Amigos dos três policiais acusados da morte do motoqueiro querem feri-lo. Só então percebe que várias pessoas disseram o mesmo durante o dia.
Despedem-se.
Capítulo 16
- Eu te amo e te quero esta noite, amor – sussurra Mariane, ao telefone, para seu namorado. Combinam de se encontrar às escondidas na casa de Rafael.
Rodrigo desliga o orelhão. Caminha até a esquina. Leva a moto desligada. A penumbra faz as veias do pescoço latejarem. Parece que ninguém o segue. Mesmo assim, tem a sensação de ser errado sair logo após a última batalha e depois dos avisos que recebeu.
Põe o capacete e dá a partida.
Segue por ruas escuras, para não ser identificado. Percebe, pelo retrovisor, um automóvel seguindo-o com faróis desligados. Acelera rumo à Avenida Brasil. O automóvel, um Opala, acompanha-o em alta velocidade.
A moto entra em uma ruela na contramão. O Opala o segue. Raspa a traseira em um poste. O motoqueiro retoma a avenida ainda pela contramão. Passa por uma Kombi e sobe a calçada; ultrapassa um fusca, que segue em frente, destemido, e um Comodoro que acelera, fazendo com que Rodrigo se desequilibre ao desviar-se dele. O Opala continua em seu encalço na pista ao lado.
Quando não surgem outros carros na pista, saem tiros do Opala.
A moto arromba os tapumes de um prédio em construção. Rodrigo procura saída. Não há. O Opala estaciona sobre restos de tijolos da obra, gerando estalos. Descem três homens com meias de nailon cobrindo a cabeça. Rodrigo, atrás de um monte de areia, desliga a moto e a encobre com uma chapa de madeira. Mantém-se de capacete.
Sobe, aos saltos, a escadaria de cimento. O trio percebe o movimento. Persegue-o. Rodrigo derrapa na poeira da obra. Cai de joelhos, rasgando a calça jeans. Levanta-se e corre, ofegante. No quarto andar, esconde-se em uma vão da obra, que provavelmente será um banheiro. O forro do capacete está ensopado de suor.
Os três percebem-no naquele andar. Rodrigo mantém-se na penumbra. Fica atento para ouvir as passadas de seus perseguidores. Apenas agora percebe um latido próximo. Deita-se em posição fetal, sob sacos de cimento e cal. Um dos encapuzados se aproxima. Observa o cubículo e sai.
O motoqueiro aguarda até ouvir as passadas irem ao andar superior. Sai de trás das sacas de cal e cimento. Sonda o andar e caminha em passos lentos até a escadaria, com rastros frios de suor passando do rosto ao pescoço. A areia e o cimento das escadas acomodam-se a cada passo de Rodrigo, causando um barulho abafado pelos latidos.
Nota que há alguém no segundo andar. Um dos perseguidores pode estar esperando-o.
- Quem está aí – vocifera uma voz idosa.
Rodrigo corre até a sacada. Atira-se. Seu coração palpita e a garganta tranca, até o momento em que cai sobre um monte de areia, que se espalha pelo ar. Ergue-se, atordoado e coberto de sujeira. Pega sua moto. Anota, na mão, a placa do Opala e leva a motocicleta desligada à saída da obra.
Os cães ladram dentro do prédio e a voz de velho grita:
- Mãos para cima!
A resposta é de uma voz jovem e conhecida:
- Somos policiais. Procuramos um subversivo. Tire esses cães da nossa frente, guardinha imprestável.
O idoso fala algo inaudível para Rodrigo e ordena que os cães parem de latir.
O motoqueiro dá a partida na moto. Vai à casa de Rafael. Dezenas de motoqueiros estão no pátio.
Somente o dono da casa o reconhece e sorri:
- A turma ficou tanto tempo sem banho que me sinto em um canil.
Rafael nota que o amigo está recoberto de areia:
– O que houve? Resolveu saber como se sente um bife à milanesa? Essa calça rasgada, é para ventilar?
Rodrigo gargalha. Crê agora estar protegido. Dá tapas no ombro do amigo e pede para que não diga a ninguém que está ali.
Antes, Rafael lhe informa: Fábio, o operário ferido, é filho de policial militar.
- São iguais ferindo iguais – fala Rafael, sério, pela primeira vez aquela semana.
Rodrigo esgueira-se até o banheiro, onde se banha e retira a areia das roupas. Apenas de toalha, vai a um dos quartos. Mariane surge, com cabelos negros soltos e vestindo apenas uma camiseta branca. As pernas torneadas estão à mostra e os lábios entreabertos. As mãos dela passeiam pelo corpo do namorado.
De madrugada, ela retorna para a casa dos pais. Deixa ali um sonolento Rodrigo, questionando-se em meio ao sono sobre quem tentou agredi-lo.
Capítulo 17
A praça em frente a Catedral está abarrotada de motoqueiros. Rafael disse ter conversado com muitos que vieram de cidades próximas. Luciane, ex-namorada de Gustavo, também está ali. É a primeira vez que participa de passeata dos motoqueiros. Tem seus olhos azuis arregalados e mãos sobre o peito, como se estivesse se protegendo de alguém.
Rafael novamente a admira.
- Vou morrer bem velhinho, bebendo vinho e olhando a bunda de alguém – devaneia e completa: - Essa Luciane é mais misteriosa que bula de remédio.
Centenas de policiais cercam a manifestação, comandados pela Tropa de Choque, recém-chegada da capital. Grupamentos do exército estão na retaguarda, gerando calafrios nos poucos que percebem que novas mortes podem acontecer naquela manhã.
Alguns motoqueiros esbravejam, pedindo o linchamento dos três policiais que mataram Gustavo e o maestro. Rodrigo sobe no capô de uma caminhonete. Nota os mesmos homens que estavam no cemitério a observá-lo.
Empunha um megafone e solicita aos motoqueiros que voltem para casa. É vaiado. Diz ser preciso evitar novos confrontos e mortes. Suas palavras são abafadas pela multidão. Alguém grita:
- Guerra!
Todos repetem, ritmados:
- Guerra! Guerra!
Os militares se aproximam dos manifestantes. Recebem pedradas dos motoqueiros. Todavia, continuam a marchar.
Tanques e caminhões do exército também se aproximam. Rafael e Rodrigo se alternam com o megafone, pedindo que não haja luta. Os de uniforme verde-oliva miram rifles contra a população. Certos motoqueiros empunham diversos tipos de armas: facas de churrasco, pedaços de madeira, revólveres e rifles. Outros se ajoelham pedindo para que não haja confronto.
Rodrigo desespera-se, por não saber como pará-los. Por um instante, pára e percebe uma solução.
O presidente do clube dos motoqueiros sinaliza para Rafael. Monta em sua moto e se posiciona entre os manifestantes, a Brigada e o exército, com o amigo ao lado. Ergue-se sobre a moto e repete pelo megafone:
- Amigo não agride amigo. Parente não mata parente - diz, várias vezes.
Alguns dos motoqueiros e dos militares param ao ouvir essa sentença ser repetida. Rodrigo nota e apressa suas palavras:
- Quero falar com vocês, policiais, cidadãos e motoqueiros. Esta cidade ainda é pequena. Muitos dos que brigam, aqui nestas ruas, são parentes, amigos ou conhecidos. Desde que morreu Gustavo, temos nos agredido. Ontem, aconteceu inclusive a morte do motoqueiro ainda não identificado e os ferimentos graves no operário Fábio que, soubemos, hoje, é filho de um aposentado da Brigada. Hoje, se lutarmos, deve acontecer algo pior.
O silêncio paira sobre a praça, sendo audível somente o relinchar dos cavalos. Rodrigo respira e continua:
- Chega de lutas. Agora a culpa pela morte de Gustavo e pelo que aconteceu ontem deve ser julgada pelo tribunal militar. Hoje, um novo comandante assume a Brigada. Os três policiais devem ser levados à prisão militar e ser julgados. Deputados estaduais chegam hoje de Porto Alegre para apoiar-nos. Paremos de lutar. Vamos para casa e, depois, ao cemitério levar flores aos nossos mortos.
Alguns motoqueiros se retiram dali.
O pai de Mariane, que lidera o exército, observa Rodrigo com um sorriso.
As nuvens escuras e as lufadas de vento frio anunciam chuva. Será a primeira em mais de quarenta dias, reflete Rodrigo, que não nota o olhar raivoso de Gerson, ali perto.
Capítulo 18
A comissão de deputados estaduais do MDB se apresenta a Rodrigo, ao lado do major do exército e do novo comandante da Brigada Militar. O grupo promete apoiar a condenação dos policiais. Porém, acreditam ser difícil haver punição, mesmo que os motoqueiros criem uma nova revolta.
O advogado da família de Gustavo, presente ao encontro, concorda.
O novo comandante da Brigada Militar cumprimenta Rodrigo. Garante apoiá-lo “em sua luta pela punição dos assassinos”. O major, pai de Mariane, sente-se desconfortável de estar nesse encontro com a filha ao lado de Rodrigo e, ainda, acompanhado de deputados do MDB, mas nada diz.
Rodrigo entrega ao comandante da Brigada Militar o número da placa do Opala que o perseguiu. O militar promete que investigará os responsáveis pelo crime.
À tardinha, um tenente da Brigada informa a Rodrigo que o Opala pertence ao dono da cafeteria Nobre: Gerson Fernandes. A Brigada notificou o empresário para que deponha na sede do DOPS na região. Mariane sussurra um palavrão.
O mesmo tenente informa que, de madrugada, faleceu o operário Fábio. E, há poucos minutos, o corpo do motoqueiro morto foi identificado como sendo de um operário da construção civil.
Rodrigo vai à rádio convocar os motoqueiros para comparecerem, aquela tarde, ao velório de ambos, mas poucos surgem para oferecer pêsames aos familiares.
O restante da tarde é passado nas capelas do Cemitério Vera Cruz, junto com as famílias dos dois mortos.
O major, em certo momento, aproxima-se do casal, para surpresa de ambos.
- Rapaz, vai ser difícil descobrir quem atirou contra esses dois operários. Havia um tumulto muito grande aquela tarde.
- Eu sei - concorda Rodrigo. - Todos erramos naquele dia.
À noite, Rodrigo e Mariane despedem-se dos deputados, do major, do novo comandante da Brigada e dos familiares das vítimas, e partem para a casa de Rafael. Rodrigo sente-se vazio.
- Vamos ficar uns dias em Pinhal, amor? – pede Mariane.
Rodrigo suspira. Cabisbaixo, explica não ter dinheiro para viagens. Ela ri. Sabe das dificuldades do namorado, por isso combinou ficarem vinte dias em casa de amigos. Não precisarão pagar. Ele se envergonha, mas aceita a proposta dela.
Capítulo 19
Ao voltar para o trabalho, Rodrigo descobre que será demitido. O proprietário da loja não quer um funcionário que esteve na liderança de uma revolta. Porém, o filho do dono lhe ofereceu trabalho na distribuidora de eletrodomésticos de um amigo em Porto Alegre. À noite, Rafael afirma que também quer se mudar para a capital para trabalhar com assistência técnica de máquinas de escrever. Combinam morar juntos.
Mariane comemora. Em poucos dias vai se mudar também para Porto Alegre. Estudará para o vestibular e irá morar sozinha.
O pai dela sabe dos planos do casal, mas não os impede. Aprendeu a respeitar Rodrigo, após o discurso que encerrou a revolta. Dona Ada entristeceu-se, mas compreende: o filho terá dificuldades em trabalhar na cidade depois do ocorrido.
Rodrigo venderá a moto ao irmão de Luciane. Dará o dinheiro para a mãe, dona Ada, e irá guardar a rescisão de contrato da loja para utilizar na capital. Quem sabe também estudar para um vestibular e, mais tarde, poderá comprar uma motocicleta melhor.
Rafael e Luciane passam a conversar quase todos os dias. Ela diverte-se com as frases engraçadas daquele homem alto e desengonçado, que parece um palito de fósforos. Prometem visitar-se todas as vezes em que Rafael estiver em Passo Fundo.
Sem namorar, por enquanto.
- Rapaz, amo essa guria mais que bife acebolado – comemora Rafael, agitando seus longos braços. Na mesma noite, pichou pela cidade a frase que define a rapidez com que Luciane e Rafael se aproximaram: “Quando acordei as alfaces já estavam plantadas”.
Antes de partir e vender sua moto, Rodrigo roda algumas tardes com Rafael pela cidade. Em uma dessas vezes, passam por uma guarita. Dois policiais olham-nos com desprezo. Uma mulher, ofegante, aproxima-se de Rodrigo e lhe pede, apontando para uma praça:
- Fui assaltada. Por favor, peguem o bandido.
Perseguem um rapaz esguio e recuperam a carteira furtada. Depois de devolvê-la, Rodrigo pergunta por que ela pediu ajuda aos motoqueiros e não aos policiais. E ela responde:
- Vocês são a justiça! Vocês são motoqueiros!
A seca persiste há quarenta dias em Passo Fundo, no norte do Rio Grande do Sul.
Seu chefe na oficina conversa, ao telefone, com o irmão, que é subversivo, dizem os vizinhos. Por ser motoqueiro e cabeludo, Gustavo também é denominado subversivo, pelos mais velhos. Porém, desconhece por que o irmão de seu chefe luta para acabar com a ditadura militar. Nunca viu nada diferente de generais sendo escolhidos pelo Congresso Nacional. Tinha três anos de idade quando houve o Golpe Militar de 1964. Agora, aos 17, pensa na profissão, na namorada e na moto recém adquirida.
- Chefe, terminei a CG. Posso ir?
- Tudo bem, Gustavo. Amanhã venha às oito e meia.
Lembrança desnecessária. É seu terceiro mês de trabalho nessa oficina. Seu primeiro emprego. Chega sempre antes de serem abertos os portões, mesmo agora, fevereiro. O salário de auxiliar de mecânico permite pagar as parcelas de uma Gilera 125 cilindradas, ano 1972. Seu pai aceitou que a comprasse, mesmo o filho sendo menor de idade.
Gustavo liga o chuveiro da oficina, mas não há água. A seca gera racionamento. Troca o macacão por jeans e camiseta limpas. Dá a partida em sua moto. O bramir do motor parece um riso que ecoa dentro do capacete. Irá para casa e depois vai se encontrar com Luciane, a namorada que conheceu há uma semana, em uma festa do Clube dos Motoqueiros.
Transita por entre edifícios de dois a quatro andares, alguns recém-pintados e outros velhos e de decoração empobrecida, entre ruas onde pessoas passeiam, conversam e cumprimentam umas às outras, ao final de tarde bucólico de cidade distante das praias.
Dá uma volta completa na praça em frente a Catedral e passa diante dos dois únicos cinemas. Na rua Morom, acena para Rodrigo, presidente do Clube dos Motoqueiros e amigo de infância, que está em frente a loja de eletrodomésticos onde trabalha como vendedor. Ambos sorriem com igual ânimo do último sábado, quando foram com as namoradas à grande boate da cidade, o Escadão.
Gustavo dobra a esquina, rumo à Avenida Brasil.
As veias das têmporas latejam. Vê uma batida policial à sua frente. Há uma viatura, um fusca, na avenida, com policiais analisando documentos. Perderá a moto, se souberem que ele é menor de idade. Desvia pela XV de Novembro. Seu motor ecoa pela cidade sonolenta naquele final de tarde sem nuvens.
Uma sirena.
Os policiais o perseguem. Gustavo dobra a esquina. A moto trepida pela irregularidade dos paralelepípedos da rua. A viatura surge no retrovisor. Freia a moto diante de um lento caminhão de melancias. Manobra à direita. Ruma para casa, a duas quadras dali.
O sol ofusca o motoqueiro, que sente a testa oleosa de suor. Vendo aquela luz cegante, ouve tiros. Seu braço direito e o peito formigam, esquentam e ardem.
Desequilibra-se. A moto rodopia até a calçada, jogando-o para o outro lado da rua. Cai quase em frente à casa dos pais. Sua cabeça quica como bola de basquete. O céu, antes azul, avermelha-se. Ouve a voz de soprano de sua mãe gritar: “filho”. Sente um abraço de mulher gorda e suada, embalando-o como se fosse um bebê.
Gustavo sabe que chegou em casa pela última vez.
Capítulo 2
Rodrigo, presidente do Clube dos Motoqueiros, fecha a cortina de ferro da loja de eletrodomésticos onde é vendedor. Faltam quinze minutos para as seis horas da tarde. Vira-se para olhar, mais uma vez, pessoas caminhando na praça em frente, como se aquele verde e o movimento o hipnotizassem.
Sente-se feliz por trabalhar vendo diante de si duas interioranas torres de Catedral surgirem sobre as árvores, pessoas nos bancos das praças e conversas no meio da rua nessa cidade repleta de casas. O desenvolvimento é tardio. Recém começam obras de prédios com doze a vinte andares.
Muitos moradores se conhecem. Perguntam das vidas de uns e outros e, alguns, fofocam sobre quem puderem falar. Uma vez por semestre, chegam os novos: universitários e professores. Alguns ficam, outros se mudam quando acaba o dinheiro, emprego ou curso. Fica a amizade com a cidade, que é chamada de terra de passagem, por alguns.
Rodrigo, por ora, sente-se feliz ali. Gosta do emprego, da namorada e da Gilera 250 cilindradas, que possui. Apenas detesta o preconceito que os mais velhos têm por motoqueiros – os subversivos, como dizem.
Tranca a fechadura da loja. Apesar de diminuir a temperatura ao final da tarde, seus cabelos castanhos grudam ao pescoço e os olhos, da mesma cor, recobrem-se de suor.
Gustavo passou de moto por ali há poucos minutos.
Mariane, na esquina, conversa com Gerson, dono da cafeteria Nobre. “Rico esnobe”, pensa Rodrigo. Desvia o olhar, fingindo não percebê-los. Ela vem em sua direção.
- Oi, é aqui que vendem bonequinhos lindos para namorar com minha boneca?
- Você já tem um em oferta. De brinde, vem uma máquina de fazer café.
- Prefiro um que venha uma moto, na caixinha. Você está à venda?
Beijam-se. Rodrigo penetra os dedos nos cabelos negros e longos de Mariane. Sente seus seios pequenos e passa rapidamente as mãos sobre as nádegas rijas. Roça os lábios no nariz arrebitado, tão diferente do seu, que é em forma de gancho.
- Vamos para minha casa – diz Rodrigo. - Tomo banho, troco de roupa, tomamos café e depois vamos para a reunião do Clube dos Motoqueiros.
Mariane sorri, satisfeita, assim como faz todas as vezes que ele toma decisões. Antes de pôr o capacete, pergunta se pode levá-la para veranear em Pinhal, onde estão suas amigas.
- Minhas férias começam somente daqui a duas semanas. Até lá, decidimos – desconversa Rodrigo.
- Vai ser ótimo, amor. Desde que começamos a namorar, nunca saímos para viajar. Sem falar que essa seca está enlouquecendo a todos, aqui na cidade.
Rodrigo acelera a moto sem dizer que poderia ter começado as férias. Não o fez, pois seu salário é consumido pelas prestações da Gilera e a ajuda no sustento da casa. Mora com a mãe. Não conheceu o pai, que morreu de cirrose. Aguarda dinheiro emprestado de um amigo para veranear. Irá sentir-se humilhado se não viajarem. Além disso, sabe que Mariane deixou de ir à praia, em janeiro, para ficar com ele.
O pai dela é major do exército. Quando soube do namoro, foi ao trabalho de Rodrigo. “Compreenda, rapaz. Se tivesse uma filha, também iría querer que ela amasse alguém melhor do que um vendedor de bugigangas e motoqueiro. Em breve a levarei a Porto Alegre a fim de se preparar para o vestibular. Provavelmente, nunca mais irão se ver. Acabe antes com isso”.
O militar despediu-se e se dirigiu a cafeteria Nobre, onde, após o almoço, conversa com políticos, empresários e técnicos de futebol. Sorri e recebe tapinhas nas costas. Se Mariane visita Rodrigo nesse horário, antes passa na cafeteria onde também conversa com Gerson, que o major chama de “bom partido” e “futuro genro”.
Quando foi informado desses comentários do major, por Mariane, Rodrigo sentiu-se como se estivesse coberto de lama.
O casal se conheceu há menos de um ano. Ela recém havia se formado no Segundo Grau. Apaixonou-se por aquele rapaz que comandava dezenas de motoqueiros. Rodrigo relutou. Não queria namorar. Agora teme perdê-la ao final do verão.
Capítulo 3
Dona Ada, mãe de Rodrigo, prepara a mesa de café, em uma casa de madeira azul, cercada por arbustos e flores: crisântemos, copos-de-leite, línguas-de-dragão e rosas. No rádio: “Dezoito horas, ouça a Oração da Ave-Maria”. Dalva de Oliveira canta entremeada por uma voz negra e grave.
Rodrigo e Mariane escutam o último verso dessa oração, no pátio, ao abrirem o portão vermelho que range ao se mover.
- Fiz café. Oi, Mariane. Lavem as mãos e sentem-se - diz, sorridente, mostrando uma mesa com uma toalha xadrez azulada, aninhando cuca, pão, café, nata, doce de uva e xícaras e pratos ornados com flores vermelhas e laranjas.
Pergunta a Rodrigo quando dará dinheiro para os gastos do mês. Ele desconversa. Envergonha-se que sua namorada saiba disso. Mariane diz que contribuir é bonito.
- Lá em casa meu pai dá tudo, mas quando eu terminar a faculdade e for trabalhar como advogada, quero ajudá-lo também.
Ele baixa os olhos. Não tem dinheiro para cursar a única universidade do município, nem para acompanhá-la a Porto Alegre, a fim de se preparar para o vestibular da universidade federal. Sua mãe, entristecida, observa-o. Mariane elogia a cuca de banana. Ouvem o locutor da rádio interromper o bloco musical:
- Atenção! Por volta das dezessete horas e trinta minutos, na Rua Lava Pés, três policiais militares balearam o motoqueiro Gustavo Schmidt, dezessete anos. O menor trabalhava na oficina mecânica Bolinha, no bairro Boqueirão. O motivo foi, segundo testemunhas, o fato de o motoqueiro ter fugido da barreira policial na Avenida Brasil em frente ao pré-vestibular Michigam. Os moradores das proximidades atiraram pedras e pedaços de madeira nos policiais, que fugiram do local do crime. O corpo será encaminhado ao Instituto Médico Legal.
Diante da notícia, os três se calam. Rodrigo sente um abismo às costas. Gustavo era seu amigo de infância, três anos mais novo. Conheceu-o quando o Sardento, como era chamado, quis entrar no grupo de ciclistas liderado por Rodrigo, o Comandante.
Após ser recusado três vezes, o Sardento ressurgiu para o grupo do Comandante. Pedalou sobre uma roda e, depois, com auxílio de uma rampa de madeira improvisada sobre tijolos, saltou e caiu. Esfolou os joelhos e os cotovelos; porém levantou-se sem reclamar e, com o rosto franzido, repetiu aquele malabarismo, dessa vez sem perder o equilíbrio. Comandante, aos 11 onze anos, riu da seriedade do menino de nove anos. Aceitou-o no grupo. Sardento, a partir daí, participava de todas as brincadeiras e passeios do grupo.
Em uma manhã de Páscoa, somente os dois compareceram à rua. Comandante levou Sardento para conhecer a pedreira, próxima aos trilhos, onde se via toda Passo Fundo. Ficava a meia hora de onde moravam. Passaram por uma oficina mecânica em um galpão. Sardento confessou: queria ser mecânico, igual ao pai, mas apenas de motos.
Concretizou o sonho havia três meses, para felicidade de Comandante e Sardento. Agora a vida se encerra para Sardento.
O que Comandante pode fazer?
Capítulo 4
A luz vermelha do estúdio de rádio acende. Rodrigo agoniza com o calor do lugar. Esbraveja:
- Convocamos todos os motoqueiros de Passo Fundo para se encontrar na praça diante da Catedral Nossa Senhora Aparecida para homenagearmos nosso amigo e companheiro, Gustavo Schmidt, morto esta tarde por três policiais militares.
O locutor da rádio Uirapuru agradece as palavras do presidente do clube dos motoqueiros e anuncia a Voz do Brasil.
Antes de ir à praça, Rodrigo deixa Mariane na casa dos pais para pegar roupas. Depois estaciona a moto em frente ao Instituto Médico Legal. O odor de clorofórmio do IML entra, como se fosse ácido, por suas narinas.
Os familiares, cercados por paredes brancas, aguardam a liberação do corpo. Todos sabem da homenagem dos motoqueiros e a agradecem em meio a soluços. Um advogado de nariz de batata, terno preto – exagerado para aquele calor – e com pouco menos de 30 anos, diz que pediu esclarecimentos à Brigada Militar. Espera resposta até a tarde do dia seguinte. Porém, é pessimista:
- O comando da Brigada nunca vai entregar seus soldados para julgamento. Enquanto existir ditadura, os militares mandam aqui.
Afirma ser arriscado também o protesto convocado por Rodrigo. A Brigada pode dispersar a manifestação com violência. Lembra que as greves por melhores salários nas fábricas no interior de São Paulo são reprimidas a golpes de cassetete.
- Se o protesto for pacífico, não terão coragem de nos agredir – retruca o motoqueiro.
O advogado duvida, assim como o pai de Gustavo. Rodrigo reitera manter o protesto. Pede o nome dos três assassinos ao advogado, que os anota no verso de um formulário: cabo Rogério Neves e soldados Antônio da Luz e Igor de Almeida. Mudaram-se há poucos meses para Passo Fundo, informa o advogado.
Não os conhece. Mesmo assim, o motoqueiro sente repugnância por aqueles nomes.
Mariane adentra o IML e cumprimenta a todos. Leva uma mochila.
O casal de despede. Vai à praça, em meio à penumbra azulada da recém-iniciada noite.
No caminho, Rodrigo sente ódio e medo. Quer os policiais presos. Porém, os militares podem ser violentos. Desde 1968, o governo proibiu o povo de protestar, fazer greve ou até mesmo se reunir para debater.
Em Passo Fundo os conflitos sempre foram esporádicos. Houve a chamada Batalha de Pulador, entre Republicanos e Federalistas, em 1894, na qual morreram milhares de gaúchos. A maioria foi degolada e seus restos jogados no campo. Depois, aconteceu a revolução de 1923, em que as mortes foram a tiro de espingarda e revólver.
Em 1954, a população se comoveu quando o presidente Getúlio Vargas se suicidou. Porém, Rodrigo nunca soube de greves e protestos por qualquer motivo em Passo Fundo. Essas coisas acontecem somente nas cidades maiores.
Capítulo 5
Na praça, dezenas de motoqueiros aceleram seus motores, sob as luzes brancas dos postes de iluminação pública. Rodrigo olha a folha de um jornal ao chão: segunda-feira – 05/02/1979.
Sobe no capô de uma Brasília. Centenas de pessoas observam o grupo à distância. Entre eles, o dono da cafeteria com seu olhar arrogante. Os faróis das motos iluminam Rodrigo.
Mariane lhe alcança um megafone. Rodrigo berra:
- Motoqueiros, Gustavo, nosso companheiro, foi morto por três policiais da Brigada. Esse crime não pode ficar impune. Temos que protestar nos quartéis, jornais, rádios e TV. Senão os três responsáveis não serão condenados.
Aplausos. Suas sobrancelhas negras arqueiam-se, transparecendo fúria. Percebe Gerson, e seu sorriso maroto. Tem vontade de cuspir. Dois policiais militares buscam dispersar o grupo, que protesta aos gritos. Rodrigo pede aos motoqueiros que se mantenham unidos.
- Vamos sair em passeata até o quartel da Brigada – informa ao megafone. Nota o olhar assustado de Mariane. Se o major souber que participaram do protesto, ela pode ser levada para Porto Alegre antes do que esperava e ser proibida de ver Rodrigo.
Capítulo 6
O guarda boceja. Está naquela guarita desde as duas da tarde. Agora, oito da noite, espera que lhe rendam a guarda. Mal se apercebe da onda sonora que se aproxima do prédio. São os motoqueiros, gritando: “Justiça!”.
Hesita entre erguer o rifle para aquele cortejo de luzes e telefonar para o comando. Desnecessário. Sargentos e capitães surgem ao portão.
Rodrigo pede, pelo megafone, para o comando da Brigada prender os três policiais responsáveis pela morte de Gustavo. Um jipe estaciona na avenida. Ergue-se, sobre ele, um coronel de bigode e sobrancelhas grisalhas.
Vaias. Rodrigo baixa o megafone, aproxima-se e conversa com os militares. Repete que deseja a prisão dos três policiais.
- Não atendo a pedidos de desordeiros. Os três policiais estavam exercendo seu dever. Defendo-os e não cabeludos subversivos iguais a vocês – berra o comandante. Toma o megafone de Rodrigo e ordena que todos retornem às suas casas, sob pena de serem presos se desobedecerem.
Alguns motoqueiros jogam pedras sobre o jipe, que ruma para dentro das grades do quartel. Uma viatura, estacionada perto dali, é derrubada pelos manifestantes. Rodrigo se espanta com a reação dos motoqueiros. Tenta impedi-los, aos gritos. Da guarita, um policial dá tiros para o alto. Duas centenas de motoqueiros e pedestres dispersam-se, batendo-se confusos.
- Não, bicho. Não atira – grita um dos motoqueiros para o milico na guarita.
Mariane aperta o braço de Rodrigo, como se o acordasse. Ele sobe na moto e acelera por uma rua lateral, enquanto o restante se dispersa, desordenado.
Capítulo 7
A sombra magricela de Rafael surge na janela da velha casa de madeira. Vê Rodrigo e Mariane ofegantes. Rafael tem cabelos encaracolados em forma de ovo e um corpo fino. Espanta-se ao ver os rostos franzidos do casal.
- O que houve? – questiona – Só fico com essa cara quando tenho dor de barriga.
Rodrigo sorri sem mostrar os dentes, igual faz com todas as brincadeiras de Rafael. O amigo deixa o casal descansar no sofá rasgado da sala. Serve bolachas e suco de laranja, em uma bandeja, com seus braços longos e finos, enquanto eles lhe contam o que houve. Dormirão ali para despistar a Brigada. Lavam-se em uma bacia. O fornecimento de água ainda não voltou.
Mariane permanece calada, com um olhar que varia do desespero à preocupação. Rodrigo teme que ela o deixe, se continuar protestando, mas é líder dos motoqueiros e amigo de Gustavo. No quarto, conversam. Ela revela que deseja levá-lo para Porto Alegre com ajuda dos pais. Porém, se o major souber que Rodrigo está liderando motoqueiros contra a Brigada, pode ser que os separe antes.
Ambos paralisam o olhar um no outro. Há lágrimas. Rodrigo conclui:
- Quero ir com você, Mariane, mas preciso liderar os motoqueiros para que sejam presos os assassinos de Gustavo. Quero que você lute ao meu lado. Só você me dá forças.
Abraçam-se, fazendo com que sequem as lágrimas um no corpo do outro.
Capítulo 8
À meia-noite vão ao velório do amigo.
O caixão está no meio da sala da casa dos pais de Gustavo. Poucos dos que participaram do tumulto no quartel estão ali. Devem temer ser presos, pensa Rodrigo. Mesmo assim, centenas enchem a sala e o pátio naquela noite quente e enluarada. Luciane está ali, a loira e sardenta namorada de Gustavo. Parece ter 17 anos. Rodrigo crê que ela ficará pouco tempo de luto pelo namorado que conheceu havia uma semana.
A mãe de Rodrigo, no pátio, olha o filho, contrariada por ele se arriscar, mas já desistiu de tentar mudá-lo. Gerson conversa com amigos do lado de fora da casa. Chama Mariane.
Quando Rodrigo se aproxima, Gerson vocifera para Mariane:
- É como lhe disse: seu pai vai odiar quem fizer baderna na cidade.
Rodrigo o mira como quem quer brigar. Porém, apenas pega a mão da namorada e diz que encontrou algumas de suas amigas. Uma delas concorda em confirmar aos pais de Mariane, que dormiram em uma chácara, aquela noite.
O pai de Gustavo pede para conversar em particular com Rodrigo. Agradece pela manifestação em apoio a Gustavo, mas reprova violência. Rodrigo concorda e diz que irá procurar evitar tumultos, como o do quartel.
Promete, ao pai de seu amigo, velar por Gustavo toda a noite, até o sepultamento. O pai discorda.
- Rodrigo, você e Mariane devem dormir cedo, para comandar o velório de meu filho. Todos os jovens que passaram pelo funeral dizem que irão à praça e ao cortejo fúnebre. Todos que falaram comigo dizem sentir ódio da polícia. Você precisa comandá-los. Evite que haja novas mortes.
- Não me sinto capaz disso - afirma Rodrigo.
- Se não for você, não sei a quem recorrer.
- Farei o possível. Tentarei comandar os motoqueiros - responde o jovem, apertando a mão do pai de Gustavo, que arqueia os lábios, controlando o choro.
Rodrigo procura Mariane.
O casal de namorados se despede da família e volta para a casa de Rafael.
Capítulo 9
Uma fogueira reluz no pátio da casa de Rafael. Muitos souberam que o presidente do Clube dos Motoqueiros e sua namorada irão dormir ali. Aguardam ambos. Quando chegam, Rafael os cumprimenta e confirma o que o pai de Gustavo disse:
- Os que chegam aqui querem ir à praça amanhã, e alguns dizem que conversaram com amigos que afirmaram o mesmo.
Próximo à fogueira, um grupo faz cartazes com tinta guache sobre papel pardo ou cartolina. Escrevem: “Justiça!”, “Não matem inocentes!”, “Sejam justos com Gustavo”. Planejam levar as mensagens durante o cortejo. Rodrigo concorda e pede que, após o sepultamento, os cartazes sejam postos em frente a Catedral. Tiaraju, um gordo suarento, interrompe o debate. Propõe, aos berros, queimar o quartel.
É aplaudido.
Rodrigo o interrompe.
- Não devemos ser violentos, senão pode haver mortes. Queremos justiça, não tragédia.
Tiaraju franze os lábios. Exala vinho. Aponta o indicador para Rodrigo.
- Você deveria armar os motoqueiros. Não apenas fazer passeatas. Chega de os policiais nos perseguirem, chamando-nos de “cabeludos e subversivos”.
Uma voz estridente faz coro com ele. Diz ter um revólver. Alguns o elogiam. Rodrigo, de olhos arregalados, repete que a violência pode gerar mortes. Um franzino, às suas costas, repete: “Vamos linchar os três policiais”. Um narigudo, de dentes esverdeados, diz que os policiais dormem no Departamento de Ordem Política e Social, o DOPS, onde torturam os presos políticos. Foram levados para serem protegidos pela polícia.
Tiaraju grita:
- Vamos lá, linchá-los.
Um grupo se levanta e concorda aos gritos. Rodrigo orienta-os para não fazerem isso. Porém, as motos são ligadas. Rafael ergue seus braços de pinça. Tenta impedi-los, sem sucesso. Rodrigo e Rafael os seguem, cada um com sua moto. Mariane não consegue carona.
Dezenas de pessoas ocupam as ruas em frente ao prédio de esquina onde está o DOPS.
- Assassinos, assassinos! – gritam. As luzes da delegacia estão desligadas. Um tiro retumba seco igual a um martelo sobre madeira.
Veio do prédio ou dos motoqueiros? Pedras estilhaçam os vidros. Novos disparos. Motos aceleram contra a porta. Cinco estrondos e a arrombam. As máquinas invadem o DOPS, iluminando o lugar com seus faróis.
O odor de mofo impregna o prédio, logo substituído pelo da fumaça dos veículos. Rodrigo vê motos descendo as escadarias rumo às celas e aos quartos. Derrubam arquivos e mesas. O único guarda no local conversa com um dos motoqueiros. Parecem amigos. “Por isso ninguém foi atingido”, imagina Rodrigo.
Sirenes. O amigo do policial alerta: estão chegando reforços. Uma voz grita: que não há ninguém nos quartos e nas celas. Uma moto arromba a porta do andar inferior. Derrubam o portão do pátio e fogem antes de chegarem as viaturas.
- Estou tão nervoso, que meus dentes parecem pandeiro de escola de samba – desabafa Rafael para Rodrigo, ao darem a partida em suas máquinas.
Capítulo 10
Retornam ao pátio da casa de Rafael. Alguns urram: “Vitória!”. Outros exalam medo. Mariane sugere a Rodrigo escrever uma carta para a Brigada, dizendo não aceitar a violência e que sua intenção é um protesto pacífico para punir os responsáveis pela morte de Gustavo. Rafael concorda. Redigem-na em uma máquina de escrever portátil, que jazia atrás do sofá.
O fato de Mariane ser filha de militar a torna a mais habilitada a entregar a carta. Se for apanhada, logo será solta, insistem ela e Rafael. Rodrigo reluta, mas concorda. Os motoqueiros que causaram o tumulto partiram.
Restam alguns casais que ouvem um músico, o Boca, próximo à fogueira.
- Nós, com o coração na boca, e, eles, com o ouvido no Boca - indigna-se Rafael.
Todos riem. Rodrigo desconhece como o amigo mantém o bom-humor.
Mariane ruma na garupa de Rodrigo. Estacionam a duas quadras do DOPS. A pé, ela deixa a carta sob a porta destruída. O coração de seu namorado palpita, temendo que seja presa, mas ela retorna caminhando. Dobra a esquina na primeira quadra.
O motoqueiro vai ao seu encontro. Partem para a casa de Rafael. Precisam descansar.
No quarto, acariciam-se e se beijam por longos minutos. Movem-se, ritmados, um sobre o outro, olhando-se nos olhos, enquanto seus suores se misturam em seus ventres, rostos e coxas. Rodrigo busca obter forças através das carícias dela.
Abraçam-se após o gozo e, assim, dormem. Ele sonha. Vê-se com Mariane e amigos. Gustavo é o Sardento e Rodrigo o Comandante. Todos são crianças. Pedalam por entre as ruas repletas de casas ajardinadas e com telhados em V invertido.
A bicicleta de Sardento bate em uma pedra da calçada e cai. Comandante e Mariane vão socorrê-lo e pedem aos demais ciclistas que tirem a pedra do caminho. Todavia, em vez de removê-la, destroçam-na com um martelo, gerando estilhaços que ferem Comandante, Mariane e Sardento, que, nos braços do amigo, jaz morto.
Acorda de um salto. Está suado. Levanta-se para tomar um banho. Mariane dorme.
Não há água. Retira o suor e refresca-se com um balde d´água que está sob a pia.
Capítulo 11
Os raios de sol da manhã fazem Rodrigo lacrimejar, mas ele permanece em frente à Catedral, mirando o amanhecer. O céu é excessivamente azul. A seca persistirá, dizem as rádios.
Motoqueiros se reúnem ao seu entorno para participar de carreata de sepultamento. Recebem e distribuem cartazes para empunhar no cortejo fúnebre. Mariane ainda dormia, quando Rodrigo saiu da casa de Rafael.
O líder dos motoqueiros vai à revistaria, ao lado da catedral. Não há nenhuma notícia nos jornais da capital. Já os dois diários de Passo Fundo informam e comentam a morte e o protesto da noite anterior em quase todas as páginas. Intitulam o que acontece como “Revolta dos Motoqueiros”.
Caminha até a loja onde trabalha, do outro lado da praça, a uma quadra. A cortina metálica recém foi aberta. Os funcionários perguntam, alvoroçados, sobre a morte de Gustavo.
Telefona para a casa do proprietário da loja. O filho do dono atende. É motoqueiro, também, e diz que irá se unir ao grupo: “Todos temos orgulho de você, Rodrigo”. Conversam alguns minutos. Autoriza o funcionário a entrar em férias naquele momento. O presidente do clube agradece e volta à praça.
Em frente à Catedral, uma voz potente o chama de filho. Vê sobrancelhas, um bigode muito grosso e olhar raivoso. É o major do exército e pai de Mariane à paisana. Aconselha Rodrigo a acabar com aquela revolta.
- Aquilo que vocês fizeram ontem pode levá-los à prisão ou algo pior. Além disso, se envolver minha filha nessa revolta, eu mesmo pedirei sua cabeça, filho.
Um jornalista interrompe o diálogo. Apresenta-se como do centro do país, porém Rodrigo já viu seu rosto pelas ruas da cidade. Pede para entrevistar o motoqueiro. Provoca o major:
- O exército se unirá à Brigada, usando violência para acabar com a revolta? A Tropa de Choque virá de Porto Alegre? O senhor os apoiará? – questiona e, antes de o militar responder, continua: - Em dezembro, o general Ernesto Geisel revogou o Ato Institucional Nº 5 - terminando assim com a perseguição política - e eliminou a censura prévia aos meios de comunicação. O governo Figueiredo, que assume a presidência em março, pode ser o último governo militar. Mesmo assim, acredita na violência para controlar jovens, major?
O major resmunga e vai embora. Antes grita:
- Não respondo perguntas de subversivos.
Agora é Rodrigo quem observa curioso o jornalista.
O repórter está com camisa e calça amarrotadas, barba por fazer e cheira a cigarro. Toma um gole de uma garrafinha de uísque que tira do bolso. Manifesta-se com voz rouca de boêmio:
- Agradeça por eu ter mandado embora o major e responda às minhas perguntas, rapaz.
Questiona se a revolta é uma “luta pela democracia”. Rodrigo responde desejar apenas o respeito dos policiais e da comunidade e que os motoqueiros pouco entendem de política. O sorriso do jornalista revela dentes amarelados e dezenas de sulcos em seu rosto.
- Vocês sabem de política mais do que pensam.
Despedem-se.
Rodrigo alivia-se pela partida daquele odor de fumaça.
“Alvorada lá no morro/que beleza/ninguém chora/não há tristeza/ninguém sente dissabor”, canta Clara Nunes no toca-disco de algum apartamento da rua Morom. Rodrigo tenta escutar essa canção entre o troar de escapamentos. Rafael indigna-se:
- Os motores dessas motos fazem feliz qualquer otorrinolaringologista. Nome comprido, esse, não?
A Catedral está fechada. O bispo anunciou às rádios sua recusa em abri-la, enquanto houver revolta. Mariane chega à praça. Foi à casa dos pais para trocar de roupa. Rodrigo pede para que ponha o capacete, para o major não reconhecê-la.
- Vai começar o cortejo - esbraveja Rafael Aumenta o ronco das motos que seguem pela rua que separa a catedral da avenida. Rodrigo segue, sozinho. Mariane vai na garupa de Rafael, para despistar o major.
Na avenida, o líder dos motoqueiros vê o carro fúnebre e sente em seu peito um negror semelhante ao veludo preto das cortinas que recobrem a Caravan onde está o corpo do amigo.
Dezenas de veículos acompanham o cortejo que ruma ao cemitério da Vera Cruz.
Centenas de motos se enfileiram. Ouvem-se apenas os sons dos motores e das rodas sobre a estrada de paralelepípedos. Antes da morte de Gustavo, motoqueiros e motoristas se xingavam pelas ruas. Agora há harmonia.
Amigos informam Rodrigo: a Brigada e o Exército formaram barreiras para impedir motoqueiros de entrar ou sair de Passo Fundo. Os que vieram trouxeram motos escondidas em cargas de soja. Suas têmporas latejam. A revolta é maior do que imaginava. A sua volta, pedestres os aplaudem. Antes os chamavam de cabeludos e subversivos. Agora são heróis.
Capítulo 12
O caixão desce sob olhares lacrimejantes e silenciosos. Mariane chora no peito do namorado, que observa os jazigos de granito repletos de imagens de Nossa Senhora, anjos e Jesus Cristo. Centenas de pessoas abarrotam o cemitério, inclusive sobre os túmulos.
O ranger do granito sobre a sepultura parece raspar no peito de Mariane.
Rodrigo nota Gerson observando-os à distância. Procura não notá-lo, mas após o sepultamento, ele vem dar-lhes pêsames pelo amigo. Pede para conversar em particular com Mariane, que aceita, para desespero de Rodrigo. Ela retorna do diálogo com os olhos avermelhados e úmidos. Diz que Gerson teme que amigos dos militares acusados da morte de Gustavo queiram feri-la ou a Rodrigo.
- Estou preocupada. Muitas pessoas dizem que você será perseguido – afirma a moça.
Rodrigo ignora essa última frase. Preocupa-se com Gerson. Pensa: “Até no velório ele quer se aproximar dela”. Nota homens de óculos escuros com rostos raivosos. Pelo corte de cabelo, parecem policiais da Brigada Militar. Ignora-os e se retira dali.
Rodrigo pára na entrada do cemitério para ouvir um coro entoar: “Por onde a terra começar/Vento Negro, gente, eu sou/Por onde a terra terminar/Vento Negro eu sou/Quem me ouve vai lembrar/Quero lutas/Guerra, não”. Quem passa tenta acompanhar, mas se perdem nas estrofes da canção dos Almôndegas.
Aplausos ao final da canção, entremeados pelo comentário de um gordo de bombachas: “Boa mesmo é a música do Teixeirinha”. Vinte metros adiante um calvo bigodudo saca uma gaita-ponto do porta-malas de seu DKV e canta baixinho, logo acompanhado pelos demais: “Quem quiser saber quem sou/olha para o céu azul/e grita junto comigo/Viva o Rio Grande do Sul/O lenço identifica/qual a minha procedência/Sou da Província de São Pedro/No meio da querência”.
No refrão, cantarolam: “Oh meu Rio Grande/Rincão gaúcho/viver por ti/me dou ao luxo/querência amada...”. Interrompem ao ouvir o ralhar de uma idosa de luto:
- Parem com isso, seus grossos. Respeitem a família do rapaz.
Rodrigo reúne os motoqueiros na saída do cemitério para uma passeata. Empunham cartazes com frases pedindo a prisão dos assassinos de Gustavo. Enquanto os motociclistas chegam, são aplaudidos pelos que assistiram ao sepultamento. Em um desses momentos, surge o pai de Mariane, com olhar mais raivoso do que antes.
- Onde está minha filha?
- Não sei, major. Disse-me que ia passar a noite em uma chácara com uma amiga.
- Mentira! Meus homens me informaram que ela está nesse grupo. Antes lhe chamei de filho, mas você é um arruaceiro. Você nunca mais a verá.
Esta última frase atinge o motoqueiro como um soco na boca.
- Se minha filha não for para casa hoje à noite, o exército vai acabar em um instante com essa baderna que você armou. Subversivos!
O major distancia-se.
- Um último aviso: a Tropa de Choque do Esquadrão Pedro e Paulo, de Porto Alegre, assumirá o comando da Brigada Militar. Se fosse você, voltava para o rabo da saia da mãe.
Quando parte, em um jipe, Rodrigo sente uma mão às suas costas. É Mariane, chorando. Abraça-o e repete ao seu ouvido:
- Eu só quero você. Eu só quero você.
O amigo Rafael cumprimenta-os, sem notar os soluços da namorada de Rodrigo. Conversava com Luciane, a ex-namorada de Gustavo.
- A Luciane é mais bonita que saldo bancário positivo – reflete o magrelo motoqueiro. – Fui consolá-la. Ela sofre não apenas com a perda de Gustavo, mas também porque o pai dela é militar e o irmão, o Zeca, um motoqueiro. O pai dela e o irmão brigam o dia inteiro. Aí ela chora muito, quando está em casa.
Interrompe a narrativa ao notar que Mariane soluça ao ombro do namorado. Despede-se do casal e vai procurar o irmão de Luciane para saber mais sobre a moça.
Rodrigo acena para Rafael e acaricia os cabelos da namorada, para que se tranqüilize. Pede para ela voltar para a casa dos pais. Mariane insiste em acompanhá-lo até a noite.
Ele concorda.
Capítulo 13
Mais de cem motociclistas seguem do cemitério rumo à praça em frente a Catedral. Dezenas de pedestres participam do cortejo lento, em pleno meio-dia. Alguns empunham cartazes pedindo a prisão dos executores de Gustavo. Ao pararem na praça, Rodrigo nota centenas de policias militares e soldados do exército nas ruas laterais.
Surgem viaturas, um grupamento a cavalo e homens a pé e com cassetetes da tropa de Choque, da Brigada, que interrompem as ruas que dão acesso à praça. Rodrigo ergue os braços. Pede calma. Um tenente, por um megafone, ordena aos “subversivos” que se dispersem. Pedestres e motoqueiros gritam contra a Brigada, enquanto pegam pedras do chão ou arrancam galhos de árvore da praça.
Alguns motociclistas tentam fugir pelas ruas laterais, mas existem viaturas interrompendo as saídas. Os comerciantes fecham as portas de suas lojas. Os policiais a pé e os cavalarianos se aproximam. Uma voz, em meio à multidão, grita:
- Deixem-nos em paz.
Os motoqueiros, como se acordassem de um transe, esbravejam e aceleram contra os militares, que erguem seus cassetetes. Os cavalarianos dão bordoadas e os soldados empurram os manifestantes. Um policial montado chuta as costas do gordo Tiaraju, que segura a perna do cavaleiro e o derruba, dando cotoveladas em seu estômago. Os pedestres atiram pedras contra os policiais, que recuam. A lenta debandada de policiais estimula os manifestantes a continuarem a atirar pedras e pedaços de madeira na tropa que, sem possuir escudos, é atingida. Rodrigo estimula os motoqueiros e pedestres a continuarem a gritar e agredir os policiais. O ódio faz seu corpo tremer. Reage tirando pedaços de pedra da calçada e jogando nos policias, que se refugiam no quartel da Brigada Militar, localizado há três quadras da praça da Catedral.
O líder dos motoqueiros grita:
- Vitória! - acompanhado dos demais manifestantes. Recebe um golpe de cassetete no pescoço que o atordoa. Só então percebe que um grupo de policiais os seguia em silêncio. Os manifestantes estão encurralados entre o grupo de policiais e o quartel. Mariane, empurrada ao chão, ameaça os policiais com seu capacete. Um guarda e um motoqueiro caem sobre ela, socando-se.
Rodrigo empurra-os e a pega pelo braço. Ela grita e dá pontapés nos policiais, enquanto seu namorado a segura pela mão. Ele tenta sair da batalha, dando golpes com seu capacete, utilizado como porrete.
A sua frente, uma das viaturas está prestes a atropelá-los. Larga a mão de Mariane e fica em pé sobre o capô do automóvel. O motorista freia, mas o sargento, ao seu lado, ordena que siga e desfere golpes de cassetete nas pernas de Rodrigo.
Um estrondo o faz perder o equilíbrio. Chamas erguem-se aos céus. Uma viatura foi derrubada e incendiada pelos motoqueiros.
Ouvem-se tiros.
- Assassinos – grita uma voz feminina.
Rodrigo pára, como se não sentisse as dores das bordoadas. Médicos e auxiliares de enfermagem saem de ambulância, próximo, e correm entre o público.
- Desgraçados – esbraveja uma voz masculina.
Alguém perdeu a vida. À volta de Rodrigo, todos param de lutar. As veias de seu pescoço pulsam a olho nu. Todos perderam o controle. Ele não poderia ter-se descontrolado também. Mariane chora. Pega-a no colo e a leva para a calçada. Aparenta estar bem, fisicamente, embora com o corpo brilhoso de suor.
Rafael, acompanhado do irmão de Luciane, informa ao amigo: alguém levou um tiro no rosto e morreu e Fábio, operário da fábrica Metais Finos, foi levado em estado grave para o hospital. Os enfermeiros prometeram mais ambulâncias. Multiplicam-se os gritos de “assassinos”. Os militares, sob ordem de um tenente, voltam para o quartel. Não levam prisioneiros.
- Como perdemos o controle, Rafael? – repete Rodrigo, olhando o nada.
Capítulo 14
O hospital cheira a cloro e sal do sangue dos feridos. O presidente do clube observa amigos em macas ou em pé recebendo curativos. Mariane, colada ao seu peito, chora sem lágrimas. Jornalistas se aproximam, entre eles o malcheiroso. Seu odor de álcool e tabaco se sobrepõe ao do sal e do cloro.
Perguntam: identificaram a vítima fatal? O que pode dizer aos pais do rapaz ferido? Pretendem fazer mais protestos? E sobre a viatura incendiada? O que tem a dizer sobre a troca do comando da Brigada Militar na região para acalmar a revolta?
Rodrigo sente sua mente flutuar ao ouvir que o comando será trocado devido à revolta. Os jornalistas perguntam ainda o que dirá a comissão de deputados do MDB que visitará o município no dia seguinte para investigar o caso. Também desconhecia essa informação.
É taxativo:
- É preciso prender os três policiais responsáveis pela morte de Gustavo – sentencia –, descobrir quem matou o rapaz ainda não identificado e, ainda, quem feriu gravemente o operário Fábio.
As mães de Rodrigo e de Mariane adentram a enfermaria. O casal desconhecia que ambas se relacionavam. O presidente do clube pede licença aos jornalistas. A um canto da sala, o casal ouve o pedido das mães para que voltem para casa.
Ele convence Mariane a ir para casa com a mãe “pelo menos hoje”. Dona Ada, mãe de Rodrigo, pede para que também volte. Concorda em tomar um café em casa. À saída do hospital, uma mulher idosa segura seu braço. É a avó do operário ferido.
- Parem com isso. Parem.
Rodrigo se envergonha e a abraça.
Os pais de Gustavo se aproximam. Também querem o fim da revolta. Rodrigo diz ter perdido o controle dos protestos. Crê que, mesmo sem ele, os motoqueiros irão à praça. Deixa os pais do operário e de Gustavo conversando. Rodrigo sente-se fatigado.
Capítulo 15
Em casa, banha-se de chuveiro pela primeira vez, desde o início da revolta, sentindo a gordura do suor se desfazer. Toma café. Estava faminto. A mãe pede para não ligar o rádio, mas o faz. Um locutor diz que os cidadãos estão chocados com os fatos dos últimos dias.
- A sociedade passofundense apóia os motoqueiros, espera que seja descoberta a identidade do motociclista assassinado, aguarda o novo comando da Brigada Militar e a comissão de deputados estaduais que virá à cidade – afirma o locutor, citando carta enviada à rádio por um grupo intitulado “Cidadãos de Passo Fundo”.
As pálpebras de Rodrigo pesam. Cochila na poltrona da sala. Acorda sentido cheiro de alho e cigarro. É o jornalista à sua frente.
A princípio, imagina ser sonho, mas ouve:
- Acorde, filho. Esse moço quer conversar com você.
É noite. Dona Ada desculpa-se porque o filho dormiu em uma poltrona da sala.
- Não quis interromper o sono dele. Está muito cansado.
O jornalista afirma que será rápido. Pede uma conversa particular com Rodrigo. Dona Ada serve café e bolo de milho e, após, retira-se. É a oportunidade para o jornalista palestrar:
- A Brigada tentou acabar com a revolta hoje à tarde. Porém, os motoqueiros ainda parecem fortes. Por isso, a Tropa de Choque e o exército foram autorizados a intervir. O comandante da Brigada não hesita em mandar atirar ou matar. Peço para vocês terminarem esse confronto – ressalta o jornalista, enfatizando temer mais mortes e explica:
- Há dois tipos de militares que disputam o poder no país: os linha-duras, que preferem a tortura e utilizam armas para controlar a sociedade, e os sorbonistas, que preparam o país para a volta à democracia. Os atuais comandantes da Brigada e do exército, em Passo Fundo, são linha-dura. Perigosos. Porém, o novo comandante da Brigada, que assume amanhã à tarde, é sorbonista. Você precisa controlar os motoqueiros até que ele tome posse e, daí, pedir, de novo, a prisão dos assassinos de Gustavo.
- Não sei se posso controlar os motoqueiros – responde Rodrigo.
Silêncio. Com um cigarro apagado nos lábios, o jornalista retruca:
- Garoto, nesta cidade todos se conhecem. O segredo para acabar o conflito é esse.
No portão da casa, próximo aos arbustos e às flores, o jornalista acende o cigarro e recomenda a Rodrigo não sair à noite. Amigos dos três policiais acusados da morte do motoqueiro querem feri-lo. Só então percebe que várias pessoas disseram o mesmo durante o dia.
Despedem-se.
Capítulo 16
- Eu te amo e te quero esta noite, amor – sussurra Mariane, ao telefone, para seu namorado. Combinam de se encontrar às escondidas na casa de Rafael.
Rodrigo desliga o orelhão. Caminha até a esquina. Leva a moto desligada. A penumbra faz as veias do pescoço latejarem. Parece que ninguém o segue. Mesmo assim, tem a sensação de ser errado sair logo após a última batalha e depois dos avisos que recebeu.
Põe o capacete e dá a partida.
Segue por ruas escuras, para não ser identificado. Percebe, pelo retrovisor, um automóvel seguindo-o com faróis desligados. Acelera rumo à Avenida Brasil. O automóvel, um Opala, acompanha-o em alta velocidade.
A moto entra em uma ruela na contramão. O Opala o segue. Raspa a traseira em um poste. O motoqueiro retoma a avenida ainda pela contramão. Passa por uma Kombi e sobe a calçada; ultrapassa um fusca, que segue em frente, destemido, e um Comodoro que acelera, fazendo com que Rodrigo se desequilibre ao desviar-se dele. O Opala continua em seu encalço na pista ao lado.
Quando não surgem outros carros na pista, saem tiros do Opala.
A moto arromba os tapumes de um prédio em construção. Rodrigo procura saída. Não há. O Opala estaciona sobre restos de tijolos da obra, gerando estalos. Descem três homens com meias de nailon cobrindo a cabeça. Rodrigo, atrás de um monte de areia, desliga a moto e a encobre com uma chapa de madeira. Mantém-se de capacete.
Sobe, aos saltos, a escadaria de cimento. O trio percebe o movimento. Persegue-o. Rodrigo derrapa na poeira da obra. Cai de joelhos, rasgando a calça jeans. Levanta-se e corre, ofegante. No quarto andar, esconde-se em uma vão da obra, que provavelmente será um banheiro. O forro do capacete está ensopado de suor.
Os três percebem-no naquele andar. Rodrigo mantém-se na penumbra. Fica atento para ouvir as passadas de seus perseguidores. Apenas agora percebe um latido próximo. Deita-se em posição fetal, sob sacos de cimento e cal. Um dos encapuzados se aproxima. Observa o cubículo e sai.
O motoqueiro aguarda até ouvir as passadas irem ao andar superior. Sai de trás das sacas de cal e cimento. Sonda o andar e caminha em passos lentos até a escadaria, com rastros frios de suor passando do rosto ao pescoço. A areia e o cimento das escadas acomodam-se a cada passo de Rodrigo, causando um barulho abafado pelos latidos.
Nota que há alguém no segundo andar. Um dos perseguidores pode estar esperando-o.
- Quem está aí – vocifera uma voz idosa.
Rodrigo corre até a sacada. Atira-se. Seu coração palpita e a garganta tranca, até o momento em que cai sobre um monte de areia, que se espalha pelo ar. Ergue-se, atordoado e coberto de sujeira. Pega sua moto. Anota, na mão, a placa do Opala e leva a motocicleta desligada à saída da obra.
Os cães ladram dentro do prédio e a voz de velho grita:
- Mãos para cima!
A resposta é de uma voz jovem e conhecida:
- Somos policiais. Procuramos um subversivo. Tire esses cães da nossa frente, guardinha imprestável.
O idoso fala algo inaudível para Rodrigo e ordena que os cães parem de latir.
O motoqueiro dá a partida na moto. Vai à casa de Rafael. Dezenas de motoqueiros estão no pátio.
Somente o dono da casa o reconhece e sorri:
- A turma ficou tanto tempo sem banho que me sinto em um canil.
Rafael nota que o amigo está recoberto de areia:
– O que houve? Resolveu saber como se sente um bife à milanesa? Essa calça rasgada, é para ventilar?
Rodrigo gargalha. Crê agora estar protegido. Dá tapas no ombro do amigo e pede para que não diga a ninguém que está ali.
Antes, Rafael lhe informa: Fábio, o operário ferido, é filho de policial militar.
- São iguais ferindo iguais – fala Rafael, sério, pela primeira vez aquela semana.
Rodrigo esgueira-se até o banheiro, onde se banha e retira a areia das roupas. Apenas de toalha, vai a um dos quartos. Mariane surge, com cabelos negros soltos e vestindo apenas uma camiseta branca. As pernas torneadas estão à mostra e os lábios entreabertos. As mãos dela passeiam pelo corpo do namorado.
De madrugada, ela retorna para a casa dos pais. Deixa ali um sonolento Rodrigo, questionando-se em meio ao sono sobre quem tentou agredi-lo.
Capítulo 17
A praça em frente a Catedral está abarrotada de motoqueiros. Rafael disse ter conversado com muitos que vieram de cidades próximas. Luciane, ex-namorada de Gustavo, também está ali. É a primeira vez que participa de passeata dos motoqueiros. Tem seus olhos azuis arregalados e mãos sobre o peito, como se estivesse se protegendo de alguém.
Rafael novamente a admira.
- Vou morrer bem velhinho, bebendo vinho e olhando a bunda de alguém – devaneia e completa: - Essa Luciane é mais misteriosa que bula de remédio.
Centenas de policiais cercam a manifestação, comandados pela Tropa de Choque, recém-chegada da capital. Grupamentos do exército estão na retaguarda, gerando calafrios nos poucos que percebem que novas mortes podem acontecer naquela manhã.
Alguns motoqueiros esbravejam, pedindo o linchamento dos três policiais que mataram Gustavo e o maestro. Rodrigo sobe no capô de uma caminhonete. Nota os mesmos homens que estavam no cemitério a observá-lo.
Empunha um megafone e solicita aos motoqueiros que voltem para casa. É vaiado. Diz ser preciso evitar novos confrontos e mortes. Suas palavras são abafadas pela multidão. Alguém grita:
- Guerra!
Todos repetem, ritmados:
- Guerra! Guerra!
Os militares se aproximam dos manifestantes. Recebem pedradas dos motoqueiros. Todavia, continuam a marchar.
Tanques e caminhões do exército também se aproximam. Rafael e Rodrigo se alternam com o megafone, pedindo que não haja luta. Os de uniforme verde-oliva miram rifles contra a população. Certos motoqueiros empunham diversos tipos de armas: facas de churrasco, pedaços de madeira, revólveres e rifles. Outros se ajoelham pedindo para que não haja confronto.
Rodrigo desespera-se, por não saber como pará-los. Por um instante, pára e percebe uma solução.
O presidente do clube dos motoqueiros sinaliza para Rafael. Monta em sua moto e se posiciona entre os manifestantes, a Brigada e o exército, com o amigo ao lado. Ergue-se sobre a moto e repete pelo megafone:
- Amigo não agride amigo. Parente não mata parente - diz, várias vezes.
Alguns dos motoqueiros e dos militares param ao ouvir essa sentença ser repetida. Rodrigo nota e apressa suas palavras:
- Quero falar com vocês, policiais, cidadãos e motoqueiros. Esta cidade ainda é pequena. Muitos dos que brigam, aqui nestas ruas, são parentes, amigos ou conhecidos. Desde que morreu Gustavo, temos nos agredido. Ontem, aconteceu inclusive a morte do motoqueiro ainda não identificado e os ferimentos graves no operário Fábio que, soubemos, hoje, é filho de um aposentado da Brigada. Hoje, se lutarmos, deve acontecer algo pior.
O silêncio paira sobre a praça, sendo audível somente o relinchar dos cavalos. Rodrigo respira e continua:
- Chega de lutas. Agora a culpa pela morte de Gustavo e pelo que aconteceu ontem deve ser julgada pelo tribunal militar. Hoje, um novo comandante assume a Brigada. Os três policiais devem ser levados à prisão militar e ser julgados. Deputados estaduais chegam hoje de Porto Alegre para apoiar-nos. Paremos de lutar. Vamos para casa e, depois, ao cemitério levar flores aos nossos mortos.
Alguns motoqueiros se retiram dali.
O pai de Mariane, que lidera o exército, observa Rodrigo com um sorriso.
As nuvens escuras e as lufadas de vento frio anunciam chuva. Será a primeira em mais de quarenta dias, reflete Rodrigo, que não nota o olhar raivoso de Gerson, ali perto.
Capítulo 18
A comissão de deputados estaduais do MDB se apresenta a Rodrigo, ao lado do major do exército e do novo comandante da Brigada Militar. O grupo promete apoiar a condenação dos policiais. Porém, acreditam ser difícil haver punição, mesmo que os motoqueiros criem uma nova revolta.
O advogado da família de Gustavo, presente ao encontro, concorda.
O novo comandante da Brigada Militar cumprimenta Rodrigo. Garante apoiá-lo “em sua luta pela punição dos assassinos”. O major, pai de Mariane, sente-se desconfortável de estar nesse encontro com a filha ao lado de Rodrigo e, ainda, acompanhado de deputados do MDB, mas nada diz.
Rodrigo entrega ao comandante da Brigada Militar o número da placa do Opala que o perseguiu. O militar promete que investigará os responsáveis pelo crime.
À tardinha, um tenente da Brigada informa a Rodrigo que o Opala pertence ao dono da cafeteria Nobre: Gerson Fernandes. A Brigada notificou o empresário para que deponha na sede do DOPS na região. Mariane sussurra um palavrão.
O mesmo tenente informa que, de madrugada, faleceu o operário Fábio. E, há poucos minutos, o corpo do motoqueiro morto foi identificado como sendo de um operário da construção civil.
Rodrigo vai à rádio convocar os motoqueiros para comparecerem, aquela tarde, ao velório de ambos, mas poucos surgem para oferecer pêsames aos familiares.
O restante da tarde é passado nas capelas do Cemitério Vera Cruz, junto com as famílias dos dois mortos.
O major, em certo momento, aproxima-se do casal, para surpresa de ambos.
- Rapaz, vai ser difícil descobrir quem atirou contra esses dois operários. Havia um tumulto muito grande aquela tarde.
- Eu sei - concorda Rodrigo. - Todos erramos naquele dia.
À noite, Rodrigo e Mariane despedem-se dos deputados, do major, do novo comandante da Brigada e dos familiares das vítimas, e partem para a casa de Rafael. Rodrigo sente-se vazio.
- Vamos ficar uns dias em Pinhal, amor? – pede Mariane.
Rodrigo suspira. Cabisbaixo, explica não ter dinheiro para viagens. Ela ri. Sabe das dificuldades do namorado, por isso combinou ficarem vinte dias em casa de amigos. Não precisarão pagar. Ele se envergonha, mas aceita a proposta dela.
Capítulo 19
Ao voltar para o trabalho, Rodrigo descobre que será demitido. O proprietário da loja não quer um funcionário que esteve na liderança de uma revolta. Porém, o filho do dono lhe ofereceu trabalho na distribuidora de eletrodomésticos de um amigo em Porto Alegre. À noite, Rafael afirma que também quer se mudar para a capital para trabalhar com assistência técnica de máquinas de escrever. Combinam morar juntos.
Mariane comemora. Em poucos dias vai se mudar também para Porto Alegre. Estudará para o vestibular e irá morar sozinha.
O pai dela sabe dos planos do casal, mas não os impede. Aprendeu a respeitar Rodrigo, após o discurso que encerrou a revolta. Dona Ada entristeceu-se, mas compreende: o filho terá dificuldades em trabalhar na cidade depois do ocorrido.
Rodrigo venderá a moto ao irmão de Luciane. Dará o dinheiro para a mãe, dona Ada, e irá guardar a rescisão de contrato da loja para utilizar na capital. Quem sabe também estudar para um vestibular e, mais tarde, poderá comprar uma motocicleta melhor.
Rafael e Luciane passam a conversar quase todos os dias. Ela diverte-se com as frases engraçadas daquele homem alto e desengonçado, que parece um palito de fósforos. Prometem visitar-se todas as vezes em que Rafael estiver em Passo Fundo.
Sem namorar, por enquanto.
- Rapaz, amo essa guria mais que bife acebolado – comemora Rafael, agitando seus longos braços. Na mesma noite, pichou pela cidade a frase que define a rapidez com que Luciane e Rafael se aproximaram: “Quando acordei as alfaces já estavam plantadas”.
Antes de partir e vender sua moto, Rodrigo roda algumas tardes com Rafael pela cidade. Em uma dessas vezes, passam por uma guarita. Dois policiais olham-nos com desprezo. Uma mulher, ofegante, aproxima-se de Rodrigo e lhe pede, apontando para uma praça:
- Fui assaltada. Por favor, peguem o bandido.
Perseguem um rapaz esguio e recuperam a carteira furtada. Depois de devolvê-la, Rodrigo pergunta por que ela pediu ajuda aos motoqueiros e não aos policiais. E ela responde:
- Vocês são a justiça! Vocês são motoqueiros!
Comentários
Será que vc poderia enviar o release do seu livro prá gente?
O email é: revistamotofuria@gmail.com
Valeu! abços
Parabéns, foi apaixonante.
Grande abraço.
Márcião
O livro é excelente! Uma leiura agradável que respeita a seriedade dos fatos!
Está na hora deste livro ganhar os leitores aqui de São Paulo!
abraços,Alexandre.